VOLTANDO À VACA FRIA
Por que motivo teria o pobre bovino perdido temperatura? E por qual razão quem se afastou dele considera voltar agora? Essa expressão corriqueira poderia até suscitar essas dúvidas com as quais estou abrindo o texto de hoje, caso referenciasse um animal de verdade. Entretanto, todos nós sabemos que ela apenas quer dizer que pessoas estão retomando um assunto, estão voltando a um tema sobre o qual já trataram antes. Mas, o surgimento dela é um tanto curioso.
Tudo teria começado com uma peça teatral francesa escrita no final da Idade Média e de autoria desconhecida. Trata-se de “La farce de maître Pathelin” (A Farsa do Mestre Pathelin), que foi encontrada em 1469 e deve ter sido produzida cerca de uma década antes. Sua primeira edição impressa ocorreu em 1474 – lembremos que o alemão Johannes Gutenberg inventou a prensa em 1439. Esta obra é considerada como a primeira comédia da literatura francesa. No texto há uma crítica sobre os costumes de duas das classes mais “importantes” no tecido social da época: comerciantes e homens das leis. Não por acaso, os personagens são todos uns canalhas, que se diferenciam uns dos outros apenas no nível da canalhice.
O protagonista é o advogado Pathelin, que defende um ladrão perante o juiz e usa, como recurso, fazer longas divagações para tirar o foco do tema principal, daquilo que realmente deveria estar em questão. Por causa disso, o magistrado vez por outra se vê obrigado a chamar sua atenção, o que faz usando a frase “Sus! Revenons à ces moutons!” (Vamos! Retornemos a esses carneiros!). Com ela, estava ele exigindo a retomada do assunto central. O nada nobre advogado também mentia descaradamente, de tal sorte que na França o termo petelin se tornou um adjetivo que refere alguém hipócrita. Algo como se aqui no Brasil, pouco tempo atrás, tivéssemos criado o neologismo wassefiando para indicar alguém que estivesse cometendo safadezas na maior cara dura.
Quando traduzida a peça para o português, a expressão acabou sendo alterada, com os carneiros virando uma vaca, algo espantoso do ponto de vista zoológico. E a explicação mais plausível para essa troca animal está no fato de existir em Portugal o costume de ser servido um prato frio feito com carne de gado, antes das refeições. O que muitos comensais recusavam, mesmo com seu retorno posterior à mesa. Voltando à peça teatral, ela tem cinco personagens: além do advogado ardiloso e do juiz fazem parte ainda um comerciante vítima (ou não) das trapaças e seu empregado, além da esposa de Pathelin.
De qualquer sorte, como estamos agora no início de um novo período de campanha eleitoral em nosso país, com certeza nos veremos diante de outras tantas “vacas frias”. Cotidianamente serão retomados assuntos e promessas, muitas delas na maior cara dura. Os Melos da vida vão jurar que sempre se preocuparam com formas de prevenção contra as cheias – não deixe de ver o vídeo ao final deste texto –, mesmo que tenham simplesmente retirado os recursos para esse fim dos seus orçamentos, como ele fez, abandonando os porto-alegrenses à própria sorte.
Essa situação também nos obriga a sermos repetitivos na recomendação quanto à importância de se votar com base em informações confiáveis e não em “sugestões e interesses” mais do que suspeitos. Está se aproximando o mês de outubro. Lembre que a ciência nos alerta que mais eventos climáticos extremos deverão ocorrer: isso exige que sejamos certeiros nas escolhas, ou “a vaca vai pro brejo”. Mas, essa já seria outra história e outro texto.
29.08.2024

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Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmenteO bônus de hoje é Vaca Profana, música de Caetano Veloso, na voz de Gal Costa. O clip musical vem logo após o vídeo que recupera Sebastião Melo prometendo, em campanhas anteriores, que daria especial atenção ao sistema de proteção contra as cheias. Na prática, zerou o orçamento na rubrica que deveria ter tal destinação, sucateando a defesa da cidade. Não faltou incentivo, no entanto, para as grandes construtoras e os seus empreendimentos imobiliários.