SOBRE O CRIME ORGANIZADO E A MEGAOPERAÇÃO POLICIAL NO RIO

Segundo dados oficiais do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), levantados por seu serviço de inteligência, atualmente são 88 as organizações criminosas, dos mais diversos tamanhos e complexidade de sua estrutura, em atividade no território brasileiro. As duas maiores e mais conhecidas, sem dúvida alguma, são o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC). Não existe mais nenhum Estado livre da influência destes grupos. Eles não surgiram hoje, tendo os mais antigos pelo menos 50 anos. Mas, cresceram de tal forma e ganharam tamanha capilaridade que se imiscuíram inclusive na política e órgãos públicos, além de possuírem inúmeros arranjos e negócios com aparência totalmente legal, usados para lavar o dinheiro ganho com crimes.

Sua receita vem sobretudo do tráfico de drogas, do roubo de cargas e da extorsão. Entretanto, nas suas áreas cobram taxas por segurança e ainda controlam a prestação de serviços. Hoje, com sua expansão por outros Estados, estão se envolvendo até mesmo com o garimpo ilegal, incluindo a colocação de acampamentos dentro de terras indígenas. Com domínio das estruturas prisionais, de dentro delas dão ordens para ações externas e movimentam recursos internamente. Também organizam fugas, promovem resgates e determinam feitura de rebeliões. Aliás, apenas no Rio Grande do Sul é que PCC e CV não dominam os presídios, porque duas outras organizações locais mantêm o comando. São elas Os Manos (1980) e os Bala na Cara (2005).

Estruturadas em redes, muitas dessas organizações criminosas mantêm símbolos de pertencimento e possuem estatutos próprios. Nos últimos tempos tornou-se comum também uma aproximação com a religião, que usam como uma espécie de escudo e para identificação comunitária. No Rio de Janeiro mesmo há o Complexo de Israel, um conjunto das favelas Parada de Lucas, Vigário Geral, Cidade Alta, Pica-Pau e Cinco Bocas, que foi unificado sob controle da facção Terceiro Comando Puro (TCP). Nelas são usadas bandeiras de Israel no alto dos morros e pentecostais têm a exclusividade na abertura e manutenção de templos – as religiões de matriz africana, por exemplo, são perseguidas e têm seus terreiros destruídos.

Foi em 1979 que emergiu a Falange Vermelha, a facção que daria anos depois origem ao Comando Vermelho. Isso aconteceu dentro do antigo presídio Cândido Mendes, localizado na Ilha Grande, no Rio de Janeiro. O local funcionou de 1903 até 1994, quando foi desativado e depois destruído. Ela foi fundada por presos comuns, que reivindicavam das autoridades que o local tivesse melhores condições, o que incluía o fim da tortura – comum nos tempos da ditadura militar – e dos maus-tratos. Para sobreviver, criaram regras de convivência, garantiram a proteção de aliados dentro e fora dos muros, além de “profissionalizar” as atividades criminosas de menor porte. O seu crescimento posterior se deu a partir do envolvimento com o tráfico de cocaína.

O Primeiro Comando da Capital é mais novo, tendo surgido em 1993 na Casa de Custódia de Taubaté, em São Paulo. Isso ocorreu a partir dos presos terem sentido necessidade de proteção, depois que ocorrera o massacre do Carandiru, no ano anterior, com 111 mortos. Passadas três décadas, a organização é a maior do nosso país, tendo 40 mil membros. CV e PCC são os dois grupos brasileiros que têm atuação também além das nossas fronteiras, com influência em vários outros países da América do Sul. Entre os outros 86, se acredita que 72 atuam unicamente nos seus Estados de origem, enquanto outros 14 possuem abrangência um pouco maior, em mais de um.

A megaoperação policial deflagrada essa semana contra o CV, no Rio de Janeiro, esconde – ou estariam escancaradas? – motivações outras além da necessária repressão. Convém lembrar, por exemplo, que o grupo vinha ampliando a sua atuação e estava tomando áreas controladas até então por milicianos, grupos mais do que amigos de autoridades locais. Também convinha ao governador Cláudio Castro (PL) alguma ação que fosse forte o suficiente para desviar o foco de um processo que ameaça o seu mandato. A Procuradoria-Geral Eleitoral busca com ele reverter a decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE-RJ), que em maio de 2024 absolveu Castro e mais outros acusados em um caso de supostas contratações irregulares na Fundação Ceperj e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), durante a campanha de 2022. Outro envolvido no crime eleitoral investigado é o atual presidente da Alerj, o deputado Rodrigo Bacellar (União). E, para culminar, não estava agradando em nada a esse grupo o recente crescimento da popularidade do presidente da República, sendo preciso que algo reanimasse a extrema-direita, que precisava mais do que discurso para se remobilizar.

Parece não ter dado muito certo. Os excessos, com mais de 120 mortes, câmeras corporais dos policiais desligadas – todos juram que acabaram as baterias – e sinais claros de que algumas execuções podem ter ocorrido, apesar de ter agradado seus seguidores extremistas, provocou reação forte na sociedade e repercutiu de modo muito negativo no exterior. O fato de quatro policiais também terem perdido a vida no cumprimento de uma missão extremamente arriscada, o que é inaceitável, causou fraturas entre aliados. A reação imediata do Governo Federal, que se colocou à disposição para colaborar, apesar do próprio governador carioca ter se posicionado contra apoio e integração das polícias, poucos meses antes, também esfriou sua tentativa de transferir a culpa do desastre para Brasília. E, para culminar, no caso do processo que ele está enfrentando, o tiro também saiu pela culatra.

Ele foi incluído na pauta dos julgamentos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um dia após a megaoperação. Isso ocorreu na quarta-feira, dia 29, e foi marcado para a próxima terça-feira, 4 de novembro. Isso poderá resultar na sua cassação. Se bem que há entendimento que esse momento pode ser favorável a ele, que poderá assumir o papel de perseguido pelas forças progressistas, mais um “injustiçado” da direita. Mesmo assim, o agendamento foi recebido no Palácio Guanabara com relativa apreensão. Menor apenas que a perplexidade e a dor que as perdas também causaram nas comunidades atacadas. E nas famílias dos policiais, abatidos de forma estúpida.

31.10.2025

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