Há certas coincidências na vida que são realmente intrigantes. Quando há uma sequência delas, entretanto, os fatos começam a suscitar mais do que dúvidas ditas normais: remetem a hipóteses que em geral fogem de quaisquer interpretações mais simples. E nos lembram que “há razões que a própria razão desconhece”, uma frase muito próxima do que disse certa vez Blaise Pascal (*), um matemático, filósofo e teólogo francês do século XVII. E um dos exemplos clássicos está em eventos que tornam dois presidentes estadunidenses protagonistas: Abraham Lincoln e John Kennedy.

A menos relevante das coincidências que os aproximam está no número de letras dos seus sobrenomes, que são sete. Mas, outras merecem que se debruce sobre elas. Lincoln foi eleito para o Congresso em 1846 e Kennedy em 1946. O primeiro foi eleito presidente em 1860, o segundo em 1960. Em ambas as campanhas, bem como nos períodos nos quais ficaram no poder, o seu foco estava particularmente em questões ligadas aos direitos civis. As esposas de ambos perderam filhos enquanto viviam na Casa Branca.

Vitimados em atentados políticos, os dois foram baleados no mesmo dia da semana (sextas-feiras). Isso depois de terem sido advertidos por seus assessores a não comparecer nos locais onde os fatos ocorreram. Foram na cabeça de ambos os tiros fatais. Os dois assassinos eram sulistas. John Wilkes Booth, que matou Lincoln, nasceu em 1839, enquanto Lee Harvey Oswald, que matou Kennedy, nasceu em 1939. Os nomes de ambos tinham 15 letras. Os criminosos, mesmo detidos logo após terem cometido os atentados, não chegaram a ser julgados porque terminaram eles mesmos mortos. Os dois presidentes foram sucedidos por sulistas. E seus sucessores tinham o mesmo sobrenome: Andrew Johnson e Lyndon Johnson. Para concluir, o primeiro nasceu em 1808 e o segundo em 1908.

O escritor e tradutor  japonês Haruki Murakami, em um texto curto ao qual chamou de “Destino, Acaso ou Coincidência”, desconstrói fronteiras entre esses termos. E propõe que, apesar de parecer que vivemos todos por probabilidades ou coincidências, talvez haja algo mais fluido ou pelo menos nada definido, no entremeio. Com leveza, ele faz uma provocação ao leitor, questionando se o acaso realmente age ou se estamos apenas à mercê de algo maior.

Se poderia abordar também a sincronicidade, um termo que foi cunhado pelo psicólogo e psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961). Ele, que nos deixou ainda nos campos da filosofia, religião e literatura um legado influente. E dava esse nome citado para a ocorrência de dois ou mais eventos que parecem ter uma conexão significativa para a pessoa que os vivencia, mesmo que sem relação alguma de causa e efeito. Entretanto, nos seus estudos isso era considerado um estado mental que se alinhava com um evento externo. Algo individual, portanto. Assim, eu não saberia como aplicar para o que se estabelece em paralelo nas vidas dos dois citados ex-presidentes dos EUA. O que resulta na necessidade da manutenção como coincidências, mesmo que elas se revelem absurdas na quantidade. Agora, se alguém chegar ao congresso daquele país em 2046 e terminar eleito presidente em 2060, que se cuide. E trate de evitar a qualquer custo todas as demais repetições.

20.10.2025

(*) A frase exata de Pascal teria sido “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. O sentido que ele pretendeu dar é que sentimentos e emoções (o coração) inúmeras vezes impulsionam ações e decisões que não podem ser explicadas na sua totalidade pelo uso da inteligência e da lógica (a razão). Existiria  uma dimensão da experiência humana, guiada pela emoção e pela intuição, cujos motivos escapam à compreensão estritamente racional. 

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