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A INVISIBILIDADE ESTRATÉGICA DOS MULLIEZ

É razoável acreditar que quase ninguém entre as pessoas que lerem o presente texto saibam quem são os Mulliez. Este é o sobrenome de uma bilionária família francesa, a terceira maior fortuna em seu país. O que os difere, por exemplo, de outros donos de grandes fortunas, em especial os residentes nos EUA, é a absoluta discrição com a qual eles levam suas vidas. Não mantêm redes sociais, evitam aparecer na mídia tradicional e são avessos à badalação.

Eles são proprietários de forma integral ou majoritários de cerca de 50 negócios diferentes, que estão espalhados por todo o planeta. Ao saber de alguns deles, daí sim as pessoas entenderão minimamente sobre de quem estou escrevendo. Afinal, raros de nós até hoje não entramos numa Leroy Merlin (materiais de construção e bricolagem) ou em uma Decathlon (varejista de artigos esportivos). É deles também uma das maiores redes de supermercados da França, a Auchan. E outras lojas difundidas em especial no Velho Mundo, como Boulanger (eletrônica e multimídia), Phildar (tecidos e artigos têxteis), Norauto (acessórios e serviços automotivos) e Kiabi (roupa). Ainda possuem a Tape à L’oeil (marca de moda), além da rede de restaurantes Flunch, entre outras tantas marcas. Empregam cerca de 570 mil pessoas e faturam 100 bilhões de euros por ano.

Vamos comparar agora isso com as posturas espalhafatosas que fazem questão de manter Elon Musk, Jeff Bezos e também, de uma certa forma, Mark Zuckerberg. O primeiro vende mais a si próprio do que aos serviços que presta e o que produz em suas empresas. Não se mostra capaz de sobreviver sem uma polêmica; seu ego não cabe em nenhum lugar, de tão grande. O segundo é contestado por seu jeito de ser, mas também pela concentração de riqueza da Amazon, com ele sendo visto como um símbolo da desigualdade social. Mark, mesmo sendo o menos “espalhafatoso” – aquele que chama atenção por atitudes descomedidas, por ser imoderado, excêntrico e extravagante –, é um alvo recorrente de críticas por sua postura nas redes sociais e pela forma como maneja e se aproveita dos dados pessoais e da privacidade dos usuários da Meta.

Agora, sejamos sinceros, o exibicionismo está longe de ser característica exclusiva de muitos dos que têm dinheiro e/ou poder. Nesse nosso mundo moderno se tornou prática recorrente fazer de tudo para estar na vitrine. Mesmo que esse brilho seja falso e breve. No Instagram, a rede social de imagens, isso é mais do que costumeiro: se trata de condição. As pessoas parecem precisar que outras as vejam na praia, no shopping, na própria casa ou no show – os artistas não deveriam ser as estrelas? –, e escancaram intimidades. No Facebook atualizam a sua localização, para que confirmem que elas estão no clube mais badalado, na loja de grife, no restaurante caríssimo, na viagem que conseguiram fazer.

Esta mania de se gabar virtualmente está inclusive chamando a atenção da ciência. Já temos estudos destinados a compreender este fato e os resultados dele. Até porque despertam não raras vezes alguns dos nossos piores sentimentos, como a inveja e a soberba. A ostentação, enfim, se trata mesmo de uma praga global. Algo que pode alcançar patamares patológicos não pode ser desconhecido nem negligenciado.

Voltando ao império invisível dos Mulliez, eles agem como se seguissem à risca um manual. Não dão entrevistas, evitam aparições públicas, não aceitam ocupar espaço em jornais ou ser capa de revistas. São fechados inclusive no que se refere ao capital. Não colocam ações nas bolsas de valores e mantêm 85% de tudo nas mãos de membros da família. Os restantes 15% eles ratearam entre seus melhores funcionários. Isso fez com que a lealdade fosse extrema e a dedicação também. Enquanto a Amazon e as empresas de Musk tratam seus empregados como peças descartáveis, como números e entes anônimos em suas estruturas, eles os aproximam e fidelizam. A Association Familiale Mulliez (AFM) controla essas relações. Trata-se de uma holding da região de Lille, fundada em 1955 por Gérard Mulliez. Desde 2014 quem a lidera é Barthélemy Guislain. E seu lema é “Tous dans tout”. Ou seja, “Todos (os membros) em todos (os negócios)”.

Assim, podem inclusive se dar ao luxo de ousadias. Como de entrarem em mercados de onde outras organizações corporativas estavam fugindo, por determinadas circunstâncias. Um exemplo disso está no caso Leroy Merlin, aqui no Brasil. Em 1998, quando simultaneamente com as crises financeiras russa e asiática desaconselhavam investir em nosso país, eles vieram e aplicaram milhões de dólares no seu projeto. Hoje em dia se estima que os Mulliez faturem R$ 16 bilhões anuais no mercado brasileiro. E outra coisa que se nota em suas empresas é que, não importando a que tipo de produto e clientela se dediquem, existe uma postura uniforme em termos de experiência de consumo que oferecem. Há um cuidado com as estruturas físicas, a forma de atender e até mesmo com aspectos psicológicos da relação com os compradores. O lucro tem importância, evidente. Entretanto, manter a máquina azeitada e funcionando sem sustos, de uma forma que atenda todos os interesses e não apenas os de seus donos e diretores – funcionários e clientes também –, parece ser uma estratégia muito mais relevante. 

08.09.2025

Gérard Mulliez fundou a holding em 1955

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