70 MIL FITAS GRAVADAS
Uma estadunidense chamada Marion Stokes desenvolveu, no final dos anos 1970 e depois de trabalhar duas décadas como bibliotecária, um hábito bastante estranho. Ela simplesmente passou a gravar todos os telejornais transmitidos pelas emissoras de TV na sua cidade, bem como seriados e até mesmo comerciais. Realizou essa proeza por mais de 30 anos, sem falhar um único dia, acumulando um acervo de cerca de 70 mil fitas VHS.
Fez isso porque as emissoras de televisão não costumavam, naquela época, guardar os registros. Na verdade, depois de poucos dias, todas as fitas eram apagadas e reaproveitadas, com uma nova gravação sendo feita. Acontece que ela temia, seja por decorrência daquela sua atividade profissional ou não, que se perdesse a essência e a verdade dos fatos. Sem as provas, as narrativas poderiam ser depois desvirtuadas, inclusive com a negação dos acontecimentos ou a distorção parcial ou total deles. Para ela, a história era sagrada e não ter controle sobre isso seria abrir as portas para fake news, para a manipulação das pessoas. Até porque os mal-intencionados não são frutos do Século 21, já existindo antes dos atuais recursos tecnológicos e da força das redes sociais.
Hoje sua preocupação parece desnecessária, uma vez que praticamente tudo é gravado, por profissionais e amadores, em tempo real. Claro que para os interessados em buscar imagens sobre determinado fato se faz necessária pesquisa e, em muitos casos, uma boa dose de sorte. Mas, tudo está registrado em algum lugar, mesmo que a sistematização disso tudo não seja sempre tão elementar. No caso de Marion, ela mantinha oito aparelhos gravando simultaneamente, 24 horas por dia, sete dias por semana. Era tão complicado manter isso que até para sair com a família ou amigos, ela se programava. Nada podia demorar mais do que seis horas, que era o tempo que duravam as gravações, exigindo então que fossem trocadas as fitas. Eventualmente alguém ficava escalado e de prontidão para fazer o trabalho por ela.
Essa obsessão lhe trouxe muitos problemas e dissabores. Entretanto, ao que se saiba nunca pensou em desistir e manteve a atividade compulsiva até próximo de sua morte, que ocorreu em 2012. Sempre imaginou – e costumava dizer isso – que aquele acervo um dia seria útil. Agora todas as fitas estão passando por um processo de digitalização, para que seja atualizada a tecnologia. Depois, há projeto que sejam disponibilizados os conteúdos na Internet, o que atenderá seu desejo e sonho de que um dia tudo viesse a ser público.
Importante frisar que ela também teve uma atuação comunitária ao longo da vida. Foi defensora dos direitos civis, ativista e atuou como produtora em um canal de TV dessas de bairro, de pequeno alcance. Este seu trabalho voluntário como arquivista precisou que fossem criadas três unidades de armazenamento. Em 2019, um documentário chamado Recorder: The Marion Stokes Project, realizado por Malt Wolf, destacou a sua inusitada iniciativa. E se encontram resenhas sobre ele em jornais como o Los Angeles Review of Books, The Guardian e The New York Times.
A mulher pode mesmo ser vista, passado algum tempo e à distância, como alguém que era no mínimo excêntrica. Mas, se faz necessário pensar ainda que ela viveu – como eu e tantos de nós – uma época na qual se passou de notícias mais locais e próximas para uma realidade que não considera a questão geográfica relevante; de oferta de conteúdo em espaço de tempo determinado do dia para ocupar o dia todo, todos os dias. Isso é alarmante, asfixiante, exaustivo. E ela respondeu tentando capturar tudo, catalogando e guardando a história divulgada. O que não deixa de ser extraordinário.
23.05.2025

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Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmenteO bônus de hoje é o vídeo oficial de Memories, do Maroon 5.