PESADELO, ANGÚSTIA E SOLIDÃO
Tive um pesadelo, na noite de ontem para hoje. E acordei tapado de uma angústia daquelas paralisantes. Eu havia dirigido um carro até uma instituição que parecia ser de ensino superior, onde provavelmente alguém da minha família tinha ido fazer sua rematrícula. Comigo estavam minha mãe e minha irmã Marília. Pela demora da pessoa que tínhamos ido buscar, minha mãe desceu para ver o que havia acontecido. E não voltou mais. Minha irmã, algum tempo depois, foi atrás e também não retornou. Nessa altura eu não estava mais dentro do veículo, mas em uma espécie de sala de espera, onde várias outras pessoas também aguardavam.
Tentei então usar o meu celular para manter contato com as duas, mas cada número que eu teclava aparecia na tela outro diferente, confundindo tudo. Assim, ligação alguma se estabelecia. Nem para a minha casa havia comunicação. Eu não tinha acesso algum, não conseguia conversar com ninguém que não estivesse ao meu redor. Pedi a um homem o dele emprestado e nada. Todo mundo continuava inacessível, como se estivesse em dois mundos diferentes. Então, as demais pessoas ao meu redor também foram sumindo. E a sensação de ausência só crescia no meu peito, junto com a impotência, com a total incapacidade de saber o que estava acontecendo ou de falar com quem me esclarecesse.
Acordei assustado. Até porque minha mãe já não está entre nós há 17 anos. E minha irmã tem idade avançada e problemas de saúde. Me senti diante de uma perda supostamente anunciada: agora, ambas distantes e ausentes. O que espero, com toda a sinceridade, estar longe de se tornar um fato. Nunca se gosta de perder quem se ama. Mas, depois comecei a pensar um pouco mais sobre este sonho ruim e não apenas sobre a possibilidade de ser ele premonitório. Pensei nos simbolismos todos, nos significados mais distantes da obviedade. Perder os outros talvez doa tanto pelo distanciamento, pela ausência de cada um deles, como também pela nossa própria solidão que vai se tornando consequência.
Para a pessoa só, em tese sobra apenas o espelho. E não é nada fácil ter que encarar o tempo todo a nossa própria essência. Na mitologia grega, Narciso se debruçava sobre as águas, de onde via refletida a beleza que tinha ou que imaginava ter. E se apaixonava por ela. Na vida real, esta que pode nos oferecer espelhos planos, sem distorções, se vê também o que há de imperfeito. Ou se deveria ver. E isso não encanta e sim assusta. Narciso teve um destino trágico: incapaz de alcançar a imagem, ele definha e morre à beira da água, de amor por si mesmo. No local é que teria nascido a primeira flor narciso. Em outros relatos, sua morte se dá por afogamento, quando se joga ao encontro do inatingível.
Ainda usando a mitologia grega como apoio, havia também Medusa, a que tinha cobras na cabeça ao invés de cabelos. Se tratava de uma das três irmãs górgonas e quem a olhasse diretamente se transformava em pedra. Quem olha com atenção para si mesmo, talvez também passe por esse processo de petrificação. Uma paralisia vinda da constatação de não se é o que se gostaria ou se imaginava ser. De que potencialidades não foram concretizadas. De que oportunidades foram perdidas. De que aquilo que era possível ficou distante, para trás. A terrível consequência de enxergar a verdade e, com ela, todos os seus erros, falhas e imperfeições.
Também por isso a gente busca se distrair tanto, o tempo todo. O outro nos distrai, enquanto a solidão nos revela e denuncia. Devido ao medo da realidade, mergulhamos na fantasia. Ao invés de vivermos nossas vidas, seguimos a de personagens. Até porque, na maioria das vezes, desses é fácil prever o destino. Ou adotamos ídolos e líderes. E ainda há o vício, que pode ser visto como algo que de alguma forma cumpre esse papel, de preencher vazios. Seja ele em comida, bebida, cigarro, jogo ou drogas ilícitas. Coisas que, aliás, parecem oferecer sonhos e terminam ofertando pesadelos. Como esses, de não se conseguir contato com quem se ama, independente da razão. Ou de ficar pensando na possibilidade de perder alguém e ter que encarar a também angustiante solidão.
17.11.2025

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