O QUE A CHINA BUSCA NA LUA

O programa lunar chinês começou no início dos anos 2000 – para se ter uma ideia, a NASA estadunidense é de 1958 –, de forma modesta. Mas, como tudo o que historicamente é feito naquele país, com disciplina e paciência, com um plano claro, delineado cuidadosamente e progressivo. Através da Administração Espacial Nacional da China, que tem a sigla CNSA, foram lançadas desde então várias missões Chang’e (嫦娥), nome que foi inspirado na deusa chinesa da Lua, uma figura mitológica retratada como uma mulher bela e imortal que viveria em nosso satélite natural. Ela seria uma figura serena, com cabelos longos e usando vestes esvoaçantes. A sua história inspirou muitas obras de arte, além de criações literárias e filmes. Um exemplo entre esses últimos é Over de Moon (A Caminho da Lua), da Netflix (1).

Cada uma das etapas do programa chinês foi planejada minuciosamente para alcançar objetivos científicos, técnicos e estratégicos específicos. A primeira incursão se deu em 2007, quando a Chang’e 1 mapeou toda a superfície lunar usando câmeras 3D. Com isso, descobriu – ou apenas confirmou – que a composição química do solo tinha algo surpreendente: vestígios de hélio-3, um isótopo muito raro em nosso planeta, mas que é considerado um potencial “combustível do futuro”, uma vez que pode ser aplicado em fusão nuclear. A Chang’e 2 retornou à Lua três anos depois, com instrumentos óticos de resolução muito superior, além de ter voado a apenas 15 quilômetros do solo. Isso assegurou precisão jamais obtida antes no que se refere à identificação de possíveis locais seguros para pouso.

Em 2013, numa comprovação de enorme capacidade técnica, a China conseguiu pousar a Chang’e 3 suavemente na Lua. O módulo levava em seu bojo o rover (veículo espacial) YUTU (Coelho de Jade). Nele estava instalado um telescópio ultravioleta, o que permitiu fazer observações que foram além do coletar e analisar rochas. Em 2019, com a Chang’e 4, fizeram o segundo pouso. Mas, ao contrário do anterior, que fora na face exposta, este ocorreu na chamada “face escura” (2), aquela que nunca é vista da Terra. Isso foi feito dentro da cratera Von Kármán, que fica no polo sul.

Nenhuma missão anterior, de outros países, havia conseguido explorar o local, devido à impossibilidade de comunicação. Os sinais que fossem de lá emitidos não chegariam na Terra, porque o próprio corpo celeste seria uma barreira. A China resolveu isso lançando um satélite especialmente para tanto. O Queqiao foi posicionado de tal modo que se tornou uma espécie de intermediário, recebendo e retransmitindo as mensagens entre o centro espacial e o módulo pousado. E as imagens obtidas revelaram uma paisagem bem diferente da existente no lado visível. Ao invés de mares de lavas, inúmeras crateras e montanhas. A crosta por lá é mais espessa e formada por materiais primordiais que não foram reciclados por atividade vulcânica.

Em 2020 a Chang’e 5 voltou com amostras que permitiram a descoberta de um novo mineral, batizado de Changesite-(Y). Além de inédito, ele continha traços do esperado Hélio-3. E concluíram que apenas 40 gramas deste elemento teriam potencial energético equivalente a 5.000 toneladas de carvão. Como as estimativas apontam para a existência de pelo menos um milhão de toneladas de Hélio-3 na Lua, se algum dia ele puder ser explorado em grande escala poderá suprir toda a demanda energética da Terra por milhares de anos.

Ao que tudo indica, teremos uma nova “Corrida do Ouro”, agora entre as potências que detém tecnologia para tanto. No caso Chinês, se sabe que entre as próximas ações estará o estabelecimento de uma base robótica no sul lunar, que seria erguida com a utilização de impressão 3D. Novas amostras de solo já chegaram, trazidas pela Chang’e 6, no ano passado. Como comprovaram existir também água nas proximidades, isso pode ser fator determinante inclusive para a futura presença humana. A Chang’e 7 e a Chang’e 8, até o final desta década, trarão essa água para que seja examinada. Se faz necessário saber se ela tem condições tanto para seu consumo como para gerar oxigênio respirável. As duas missões também testarão tecnologias de extração e de habitação.

Tudo isso é possível porque a China não gasta valores excessivos com a manutenção de forças armadas, uma vez que elas se resumem na sua defesa territorial, sem centenas de bases espalhadas pelo mundo, sem o costume belicista e de controle global, que outra potência sempre prioriza. O que permite investimento muito maior em tecnologia e desenvolvimento, gerando vida e não morte.

30.08.2025

(1) “Over the Moon”, em português “A Caminho da Lua”, é um filme de animação da Netflix. Trata-se de uma produção sino-americana que conta a história de Fei Fei, uma jovem que, após perder a mãe, se apega à lenda da deusa da lua, Chang’e. Quando seu pai começa um novo relacionamento, ela decide construir um foguete e ir à lua para provar que a deusa existe e para lidar com a perda que enfrentara. Ao longo do processo, ela encontra criaturas fantásticas e embarca em uma aventura emocionante. 

(2) O lado escuro da Lua não é realmente escuro. O termo apenas refere a face que nunca podemos ver, devido à rotação sincronizada da Lua com a Terra. Escuro está no sentido de “oculto”, pois ambos os lados recebem a mesma quantidade de luz solar.

Imagem da Chang’e 6

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O bônus de hoje é um clipe de Breathe (in the Air), uma das dez faixas que compõem o lendário álbum The Dark Side of the Moon (A Face Escura da Lua), do Pink Floyd.