QUEM FOI VERA SÍLVIA
O nome completo dela era Vera Sílvia Araújo de Magalhães, mas tinha o apelido de Dadá. Nasceu no Rio de Janeiro, no verão de 1948. Bisneta do líder republicano Augusto Pestana (1868-1934), também carioca, mas que fez carreira profissional e política no Rio Grande do Sul. A família dela era da classe média e, quando criança, a menina estudou na escola Chapeuzinho Vermelho, na época tradicional no bairro de Ipanema. De personalidade forte, não aceitava a exigência das professoras para que os exercícios fossem feitos em inglês. Com 11 anos de idade, ganhou do seu tio Carlos Manoel um exemplar do “Manifesto do Partido Comunista”, de Marx e Engels, o que a levou a distribuir suas bonecas para outras crianças do bairro, acreditando que isso era socialismo. Com apenas 15 anos, começou a militar na política, ingressando na Associação Municipal dos Estudantes Secundaristas (Ames).
Influenciada não apenas pelo que lia, como também pelo pai, angariava roupas e recursos para atender companheiros comunistas que viviam na clandestinidade, sem poder trabalhar formalmente. Quando adolescente, no Colégio Andrews, liderou o grêmio estudantil e comandou uma greve contra o aumento das mensalidades. Por iniciativa sua, colocou cimento no portão, impedindo a entrada de professores e alunos. Aos 16 anos, esteve no comício de João Goulart, que ocorreu na Central do Brasil. Em 1966 prestou vestibular para Economia e passou a integrar a Dissidência Comunista da Guanabara, onde esteve com Franklin Martins e com José Roberto Spigner – esse último se tornou seu marido. Aos 20 anos, em 1968, organizava passeatas contra a ditadura militar e precisou tornar-se clandestina.
Dadá foi presa em março de 1970, em uma casa no Jacarezinho, junto com outros companheiros. Haviam sido denunciados por uma vizinha e ela levou um tiro durante a operação. A bala lhe transfixou a cabeça, mas ela ficou pouco tempo no hospital. Foi retirada dele direto para sessões de tortura em dependências do DOI-CODI, que ficavam em um quartel da Polícia do Exército (Rua Barão de Mesquita, bairro da Tijuca). Foi pendurada no pau-de-arara, sofreu espancamentos, passou por choques elétricos, queimaduras, isolamento em ambiente úmido e gelado, além de tortura psicológica como simulação de execuções. O objetivo de tudo isso era quebrar a resistência, atingir dignidade e crenças da pessoa, bem como destruir sua personalidade.
Seu principal algoz, nesse período, foi o médico Amílcar Lobo, que era ironicamente conhecido como Doutor Cordeiro. Ele participava das sessões e lhe ministrava remédios psiquiátricos. Vera chegou a sair ensanguentada de uma dessas sessões, direto para uma audiência no Supremo Tribunal Militar. Esse período durou alguns meses e lhe valeu uma hemorragia renal, o que obrigou sua transferência para o Hospital Central do Exército. Estava pesando 37 quilos e não conseguia mais se locomover. De lá ela acabou sendo liberada, quando trocada juntamente com outros 39 presos políticos pelo embaixador alemão Ehrenfried von Holleben, sequestrado por um grupo do qual fazia parte o jornalista e escritor Alfredo Sirkis. Saiu sem jamais ter denunciado ninguém.
Viveu na Argélia até retornar ao Brasil, em 1979, beneficiada pela Lei da Anistia. Ficou quatro anos em Recife e voltou para o Rio de Janeiro, onde trabalhou para o governo estadual como planejadora urbana, até a aposentadoria. Carregou sequelas pelo resto da vida, enfrentando dores e sangramentos. Nos últimos anos de vida, lutou contra um linfoma e morreu de infarto, em 2007.
Se você está tão surpresa ou surpreso quanto eu, com a resistência e a coragem dessa mulher, faça agora um breve exercício mental. Imagine outra passando pela mesma situação. Pode ser aquela deputada federal que perseguiu nas ruas e com arma na mão um homem negro, pouco antes das últimas eleições. E que fugiu para o exterior, quando de sua condenação por ter invadido os sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Esta já gravou vídeos chorosa, dizendo que não vai ter condições de saúde para suportar a prisão, mesmo sem tortura e com regalias. Agora, se você preferir, coloque homens nessas elucubrações e escolha outro deputado também condenado e fujão, que é delegado de polícia. Pode optar ainda por alguns generais que em gabinetes elaboravam planos de golpe contra a democracia brasileira – entre eles agora surgiu até um novo tipo de Alzheimer, retroativo e conveniente. Ou, quem sabe, por alguém que tenha “histórico de atleta” e quaisquer dos seus filhos. Não vou nem falar em meses: quantos minutos será que duraria a sua macheza? A soma de todos não resultaria em meia Dadá.
07.12.2025

O bônus de hoje começa com Pra não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré. Essa canção tornou-se um verdadeiro hino da resistência contra a ditadura militar no Brasil. Depois temos uma comparação de trecho de O Auto da Compadecida, com a atitude falsamente corajosa de um ex-presidente. Nele o ator Selton Mello, no papel de Chicó, desafia por total ignorância o cangaceiro Severino, vivido por Marco Nanini. Mas fica pianinho quando se dá conta da imensa bobagem, ao melhor estilo Bolsonaro e Xandão.