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É CARNAVAL OUTRA VEZ

Tecnicamente, o Carnaval começa hoje. Mas, vá explicar isso para um bom baiano, carioca ou pernambucano. Mesmo entendendo que esta manifestação cultural acontece em todo o país, dificilmente alguém iria discordar da afirmação que são nesses três Estados que ela tem maior expressão. Pelo menos neles a folia já vem acontecendo há dias, com nomes distintos, desculpas esfarrapadas em série e animação de sobra. São ensaios, bloquinhos e trios elétricos a mobilizar multidões, seja com afoxés, sambas, frevos, maracatus ou cirandas. Com fantasias criativas ou apenas com caras e almas limpas. Aliás, me referi ao início. Mas, os mesmos lugares também têm uma enorme dificuldade em encerrar tudo na quarta-feira de cinzas. Isso sem falar naqueles agora cada vez mais comuns “carnavais fora de época”.

O que temos em franca decadência, na Festa de Momo, são os bailes nos clubes. No passado, lotavam em todas as noites nos quais eram realizados. As mesas custavam caro, os ingressos eram disputadíssimos, suas decorações sempre esmeradas, boas bandas e muito confete e serpentina que entulhavam tanto a pista quanto seus arredores. Isso tudo é cada vez mais saudade e menos realidade. Pelo menos aqui no Sul tal fenômeno está mais do que visível. Ou seja, atrofiaram um dos principais territórios das marchinhas. E estas eram a maior marca do “Carnaval Raiz”.

O nome marchinha identifica um estilo musical de muita animação e alegria contagiante. Suas letras são simples, sempre com rimas fáceis de memorizar, repletas de sátira, humor e duplo sentido. Outras das suas características são o ritmo contagiante, os compassos binários e a potencial possibilidade para se tornarem veículo de críticas políticas e sociais. A primeira delas foi composta por Chiquinha Gonzaga (1847-1935), uma mulher mestiça, corajosa, libertária e vanguardista. Ela era maestrina, pianista, compositora de partituras para peças teatrais e lutadora exemplar pela liberdade – era abolicionista. Falo de Ó Abre Alas, de 1899.

Outras tantas ocuparam tal lugar na nossa memória coletiva que é difícil serem encontradas pessoas que não as saibam cantar. Como Mamãe Eu Quero (1937), de Jararaca e Vicente Paiva, ou Aurora (1940), de Mário Lago e Roberto Roberti. Mas, podem ser ainda citadas outras obras primas, como ou Allah-lá-ô (1941), de Haroldo Lobo e Antônio Nássara; Cachaça Não é Água (1946), de Marinósio Trigueiros Filho; Turma do Funil (1956), de Mirabeau, Milton de Oliveira e Urgel de Castro; Me Dá Um Dinheiro Aí (1959), dos irmãos Homero, Glauco e Ivan Ferreira; e a mais recente A Pipa do Vovô (1980), de Manoel Ferreira e Ruth Amaral. João Roberto Kelly escreveu duas famosas, que se fossem compostas hoje em dia poderiam resultar em cancelamento:  Cabeleira do Zezé (1964) e Maria Sapatão (1964).

Agora, de péssima memória, no futuro, serão dois episódios que tivemos em Canoas e em Porto Alegre, durante os preparativos para o Carnaval de 2025. A primeira, que é a terceira cidade mais populosa do nosso Estado, tem agora como prefeito Airton José de Souza (PL). Pois ele e seu secretário de Cultura e Turismo, Pinheiro Neto (PL), estabeleceram censura prévia às escolas de samba do município. Em reunião com a associação das entidades, Pinheiro disse que só disponibilizariam lugar para realizem desfiles se todos os enredos fossem antes submetidos à apreciação de ambos, que são evangélicos. Estavam proibidos temas sobre religiões de matriz africana, negritude e diversidade. Quando isso foi denunciado – o Ministério Público Federal (MPF) instaurou inquérito para investigar a situação –, trataram de desmentir o fato, mesmo diante de um enorme número de testemunhas.

O segundo fato lastimável foi na capital gaúcha. A prefeitura, liderada por Sebastião Melo (MDB), proibiu a realização de todo e qualquer evento na Cidade Baixa, o reduto que ainda resiste às investidas para aniquilação do carnaval porto-alegrense. No passado os desfiles – não de blocos, mas das escolas de samba – ocorriam em área central. Depois, foram eles deslocados para o distante Porto Seco. Então, trataram de reduzir o repasse de recursos financeiros. E agora são atacadas também todas as iniciativas de pequenos empresários e foliões.

Diante destes dois fatos e considerando que a época segue sendo muito musical, nos resta apelar para a bossa nova. Vinícius de Moraes e Tom Jobim, com A Felicidade (1958) – foi trilha no filme Orfeu do Carnaval, que ganhou o Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira em 1959 –, já nos lembravam que “tristeza não tem fim, felicidade sim”.

1º.03.2025

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O bônus de hoje começa com a paródia carnavalesca Ela é Fernanda, feita por Edu Krieger sobre “Ela é Top”, de Léo Rodrigues. Foi criada como incentivo para a torcida por Fernanda Torres e o filme “Ainda Estou Aqui”, na reta final da disputa pelas estatuetas do Oscar. Cantam Natalia Voss e Edu Krieger. Depois temos o áudio de Allah-lá-ô, em uma gravação antiga, na qual não foi possível identificar quem canta.

Marcha carnavalesca Allah-lá-ô, de Haroldo Lobo e Antônio Nássara