A VERGONHA CHAMADA EQUATORIAL

Como todo e qualquer idioma é algo vivo, com novas palavras sendo com o tempo aglutinadas, ou novos significados sendo atribuídos a outras que já se conhecia, acho que “equatorial” pode ganhar uma série de sinônimos, todos eles apropriados: incompetência, desrespeito, vergonha, descaso, omissão e muitos outros. Isso graças ao trabalho ridículo que a companhia que tem esse nome e que sucedeu a antiga CEEE, que foi vendida pelo governador Eduardo Leite (PSDB), pela fortuna de exatos R$ 100 mil, vem realizando aqui ao sul do Rio Mampituba.

A coisa estava mal parada desde que a administração da empresa, a partir de decisão tomada pelo Governo do Estado, preparatória para a venda pretendida, começou a desligar funcionários. Foram mais de 1.500 apenas através do seu PDV, o Programa de Demissão Voluntária. Não sobrou praticamente ninguém entre os mais experientes e preparados, o que significava também “mais caros”. Isso facilitou muito a vida daqueles que adquiriram o patrimônio pelo valor simbólico acertado, justificado pelo fato de que “assumiriam dívida existente”. Essa, que se for real era com o próprio Estado, principalmente, jamais foi informada com exatidão tanto o seu valor quanto prazo e forma de pagamento. Por outro lado, o investimento no treinamento de pessoal passou a ser desnecessário, já que as equipes, em número muito menor, sequer têm vínculo com a Equatorial. E, se antes ninguém recebia a permissão de subir num poste antes de seis meses de preparo intenso, segundo relato de ex-funcionários, agora isso é feito na primeira semana em que o contratado aparece para trabalhar.

Incrível é que uma das primeiras providências tomadas pela diretoria da Equatorial, após assumir, foi distribuir dividendos polpudos, superando em muito o valor aplicado na aquisição. Ou seja, o caixa da CEEE estava longe de ser um buraco, como juravam Leite e outros. Assim, a compra foi no fundo bancada com sobras pelo próprio vendedor, não tendo sido coberta com valores reais dispendidos por quem adquiria. Simplificando, ela saiu de graça, foi um presente imediatamente lucrativo. O “mamão com açúcar”, ampliado pelo subsequente investimento subdimensionado, no entanto, começou depois a enfrentar problemas.

Em 16 de janeiro a região metropolitana de Porto Alegre foi atingida por um forte temporal. O número de unidades desassistidas foi mesmo muito grande. Só que a empresa não havia dimensionado suas equipes técnicas para um atendimento sequer perto da demanda então exigida. Foi assim que 15 dias depois ainda existiam pontos não recuperados, gente sem energia em suas casas. As perdas foram enormes para a população, em alimentos perdidos em freezers e refrigeradores, além de equipamentos eletrônicos queimados; com o desabastecimento de água, uma vez que o seu bombeamento foi prejudicado nas estações; para empresários, com estoques jogados no lixo e lojas que não tinham como abrir as portas; com caos no trânsito, devido ao grande número de semáforos desligados; e tantas outras questões que poderiam ser aqui facilmente elencadas. Para a imagem da empresa, isso não foi assim tão determinante. Afinal, ela já ocupava a penúltima colocação em todo o país, em termos de reclamações quanto à péssima qualidade dos serviços prestados. Ou seja, no máximo poderia cair uma posição.

Agora em 21 de março outra vez intempéries incomodaram os gaúchos. Menos do que em janeiro, mas outra vez suficientes para que os terceirizados da Equatorial não dessem conta. Mais espalhadas do que ocorreu na vez anterior, a capital gaúcha mesmo assim acumulou milhares de unidades sem energia elétrica. Consideradas as de outros municípios somadas, mais de 800 mil. E a lentidão, a incapacidade técnica e operacional para dar as respostas que a sociedade tem o direito de exigir, foram ridículas mais uma vez. O discurso da empresa, nas emissoras de televisão e de rádio, se repetia, com as desculpas de sempre. A tal ponto que trataram de comemorar que “apenas” cerca de 380 mil clientes ainda estavam sem energia, mais de 40 horas depois. Ligar para a companhia era um exercício de paciência. Muitos consumidores relatam que, depois de 30, 40 tentativas, conseguiram falar com alguém no Maranhão, que obviamente não resolvia nada. 

A culpa é sempre do vento, da chuva, das árvores, do calor excessivo, de algum mau humor de São Pedro, mas nunca da empresa. Entretanto, já ventava, chovia, tínhamos uma cobertura vegetal bem maior do que a atual, sempre tivemos temperatura extremas para mais e para menos, e o santo em questão faz parte da vida dos gaúchos desde 19 de setembro de 1807, quando foi criada a Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul. Ou seja, tudo ocorria bem antes da chegada da Equatorial, sem que os problemas fossem sequer de longe parecidos com os atuais, que são consequências da sua inoperância. Nem a recente CEEE, depois de sucateada de propósito pelos governos que a queriam desvalorizar para vender, foi capaz de tamanho acúmulo de erros. Muito menos a CEEE anterior, conhecida e reconhecida pela eficiência.

Depois de janeiro, uma CPI foi instalada na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Outra deveria ter sido instalada na Assembleia Legislativa do Estado, mas foi bloqueada pelos deputados hoje oposicionistas, que estavam na situação quando a privatização inexplicável foi feita. O que pode voltar a ser proposto e tentado agora, quando a pressão da opinião pública pode sensibilizar esse pessoal e seus interesses pouco claros. Ainda mais que desta vez a incompetência explícita custou a vida de um menino de 11 anos, em Viamão, na região metropolitana. Cerca de 36 horas após ter sido a Equatorial avisada da existência de um fio solto e energizado, em rua do bairro São Lucas, o garoto acidentalmente tocou nele e perdeu a vida. Em todo esse tempo, não houve a presença de técnicos no local e nem tampouco foi providenciado o desligamento da rede. Ou seja, onde precisam religar, não conseguem; onde a prudência dita ser preciso desligar, também não fazem. A empresa divulgou uma nota, lamentando o “acidente”. Mas, não foi acidente: foi negligência.

A única novidade que tivemos, entre uma e outra das duas datas críticas mais recentes, foi que a Equatorial firmou contrato de publicidade com cifras bem polpudas, segundo se sabe extraoficialmente, para divulgar pelo principal grupo de comunicação do RS tudo aquilo “de bom e avançado” que trouxe, desde que começou a operar por aqui. Para dar mais credibilidade ao que já passou a veicular, contratou um dos rostos que até pouco tempo atrás apresentava noticiosos na mesma emissora que é o carro-chefe do grupo em questão. Algo que, acredito eu, tende a se tornar inglório na medida em que a realidade difere muito do que as peças publicitárias estão e estarão nos mostrando. E também porque, sem energia elétrica, boa parte da população não estará assistindo televisão.

23.03.2024

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No bônus de hoje temos a banda gaúcha Engenheiros do Hawaii, com sua música Piano Bar. São perfeitos os versos “toda a vez que falta luz, o invisível nos salta aos olhos”. Vamos abrir os nossos, nas eleições de outubro deste ano e de 2026. As privatizações precisam ser estancadas.

CONVERSAS PRA BOI DORMIR

Mais uma expressão idiomática exposta aqui no blog, essa que dá título para a crônica de hoje. Adoro grande parte delas. Todas são um conjunto de duas ou mais palavras, no idioma que se domina – existem em todos eles –, se caracterizando por não existir como encontrar seu significado apenas considerando o sentido literal de cada termo. Gente normal não conversa com bovinos, evidentemente. Exceto talvez algum agropecuarista um tanto excêntrico, mas esse provavelmente não se enquadrasse nos critérios de conceituação da normalidade. Enfim, o dito refere uma conversa fiada ou mole, como também uma história que nada possui de verdadeira. Isso tem um forte apelo figurativo e cultural, se enquadrando plenamente no contexto popular. Na imprensa então, considerando-se os últimos tempos, não é nada incomum encontrá-las em enorme profusão, menor apenas do que as que pululam nas redes sociais.

Um exemplo bem recente: o competentíssimo serviço secreto de Israel, o Mossad, garante que não percebeu todo o aparato e movimentação dos integrantes do Hamas, no preparo para os ataques com foguetes no dia 7 de outubro. Isso que o grupo está confinado em uma área menor do que a Zona Leste de São Paulo, toda ela cercada com arame farpado e muros, com torres de vigilância ao redor, sensores de movimento e um enorme número de câmeras, além do apoio de satélites dos Estados Unidos. Então, sem ser notado, o grupo treinou durante pelo menos três meses – avaliam em mais de 600 homens – e preparou tratores e escavadeiras para abrir caminho para a invasão. Na minúscula e vigiada Gaza, nada foi notado. Mas, o mesmo serviço secreto conseguiu saber que dois – eu disse dois – homens estariam preparando um atentado a ser perpetrado aqui no Brasil, contra a comunidade judaica, tratando corretamente de avisar nossa Polícia Federal para providências. Algo bem fácil de se entender e muito provável de acontecer, considerada a “índole terrorista” do povo brasileiro e todo nosso histórico de atentados. E constataram isso de lá mesmo, apesar da prodigiosa distância entre Brasília e Tel Aviv, de quase 11 mil quilômetros. O que pode ser coberto em cerca de 13 horas de voo, se ele for direto. Ou seja, um forte cheiro de indevida justificativa para a retenção criminosa, por tanto tempo, de brasileiros junto à fronteira do Egito.

Outro exemplo, esse totalmente local: o discurso adotado quando da privatização da companhia de energia elétrica de São Paulo foi aquele repetitivo de sempre, de que o serviço seria barateado. Ela atende nada menos do que 7,5 milhões de unidades consumidoras, em 24 municípios da região metropolitana, tendo esse fato se dado em 2018. A providência tomada pela empresa desde então foi reduzir em 36% suas equipes, o que garantiu um aumento de 50% no lucro e piorou em muito quaisquer atendimentos. O resultado é que agora, com ventanias atingindo fios, uma parcela enorme da população ficou sem energia por mais de cinco dias. As perdas e prejuízos foram incalculáveis e o empurra-empurra quanto às responsabilidades, previsíveis. A solução proposta foi cobrar dos consumidores uma “contribuição de melhoria”, para que aqueles que agora exploram o serviço usem os recursos para a colocação de redes subterrâneas. E, se esse tanto não for suficiente, dinheiro público também será alcançado para eles. Ou seja: o lucro foi privatizado, enquanto o eventual prejuízo deve ser socializado. Esta a comprovação de que o argumento inicial para desencadear o processo era conversa mole, mesmo que na época defendida por alguns “jornalistas isentos”. Tivemos boi na linha (outra expressão), sendo que essa não é daquelas de transmissão, com torres e tudo mais.

Lembro que o meu irmão Sérgio brincava comigo, numa época na qual ele já era estudante universitário e eu ainda percorria os anos do antigo Curso Primário – foi apenas em 1971 que a estrutura de ensino do país unificou as etapas primária e ginasial em uma única, denominada de Primeiro Grau. Quando algo absurdo estava sendo falado ele referia como “tertúlias flácidas para acalentar bovinos”. De início apenas a última palavra era do meu conhecimento, mas evidente que entendi depois. A frase sequer era dele, mas foi uma lição importante a mais que ele me deu. Aprender a identificar coisas que nos são entregues em um embrulho, muitas vezes com papel de presente, mas que não valem nada daquilo que aparentam. E quem as aceita, acaba sendo a pessoa sim, embrulhada. Não se precisa nem sair de casa para ver o quanto essa prática está em uso. Ai de quem não consegue ver o que existe na informação, além da sua superfície: tende a ser mais um passivo e inocente ruminante.

10.11.2023

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