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UM POUCO DE NOEL ROSA

Noel Rosa era uma figura muito estranha, fisicamente. A começar pelo fato de que não tinha queixo. Ou melhor, tinha só que era como se ele estivesse voltado para dentro. Não se projetava, era uma espécie de “queixo introspectivo”, se me entendem. Pois um dia ele foi até uma agência dos Correios para enviar um telegrama. Nos tempos atuais isso parece um absurdo, mas era assim que se fazia. A gente ia até uma delas, escrevia num formulário a mensagem que se pretendia que outra pessoa recebesse, pagava pelo número de palavras e esperava que ela fosse transmitida por Código Morse para a agência de destino, de onde um entregador levava um papelzinho com o texto outra vez escrito para o destinatário. Voltando à presença de Noel nos Correios, dois homens que trabalhavam no local começaram a trocar ideias sobre o cliente, usando o mesmo sistema de comunicação, o código já citado. – Olha que cara horrível, observou um deles com os sinais. – Cadê o queixo do cara?, perguntou o outro. – Feio demais, acrescentou o primeiro. Então o cliente fez o mesmo que os outros e passou a bater com os seus dedos no balcão de atendimento na frequência correta para também passar uma mensagem: – Feio e telegrafista.

Noel de Medeiros Rosa (1910-1937) foi um carioca de raro talento para a música. Compositor, violonista, bandolinista e cantor, se tornou com todo o mérito em uma referência na história musical do nosso país, mesmo tendo especial predileção pelo samba. Sua vida foi breve, como mostram os anos de nascimento e morte postos acima. Foi interrompida devido à tuberculose, agravada por um estilo de vida boêmio e desregrado. Filho de pai mineiro e mãe natural do Rio de Janeiro como ele, integrante da classe média, ingressou na Faculdade de Medicina ficando pouco tempo por lá. A vida acadêmica era pouco atraente se comparada com a de artista, que lhe rendia uma atenção enorme, muitas mulheres e noitadas regadas à cerveja. Com a sua popularidade, ele foi responsável por legitimar o antes relegado “samba de morro”, que trouxe para o asfalto com o uso das emissoras de rádio, principal meio de comunicação da época.

Sobre seu nome, a escolha foi do pai e se deveu ao fato de que estava previsto para próximo de 25 de dezembro o nascimento. Entretanto, os acontecimentos políticos relacionados à Revolta da Chibata causaram mal estar na mãe, que se preocupava seriamente com a possibilidade do Rio de Janeiro vir a ser bombardeado. Isso precipitou o parto – chegou no dia 11 –, que se tornou também complicado, levando ao uso de fórceps pelo médico Heleno Brandão. Entretanto, não foi esse o fato que teria determinado aquela deformidade no seu queixo. Ela foi decorrente dele ter uma hipoplasia, limitando o desenvolvimento da sua mandíbula. Provavelmente ela foi consequência da Síndrome de Pierre Robin, que além desta retração, a microretrogantia, pode ainda atingir a língua e obstruir as vias aéreas superiores.

Quando adolescente, ele aprendeu a tocar bandolim de ouvido. Foi isso que lhe despertou um gosto mais apurado pela música e o levou para o violão, instrumento que lhe abriu as portas da noite. Passou então a integrar alguns grupos musicais, como o Bando de Tangarás, em 1929, ao lado de João de Barro (o Braguinha), Henrique Brito, Almirante e Alvinho. Naquele mesmo ano iniciou com composições próprias: Minha Viola e Festa no Céu foram as duas primeiras, que ele próprio gravou. Mas, explodiu em popularidade em 1930 ao lançar Com que roupa?, samba que se destacava pelo bom humor e que veio a se tornar um verdadeiro clássico do nosso cancioneiro. A partir de então demonstrou ser um talentoso cronista do cotidiano, enfileirando uma sequência de canções que se notabilizaram pela veia crítica, sem abandonar uma leveza humorística. Ao todo, assinou 259 composições.

Em pesquisa breve encontrei 11 livros sobre Noel Rosa. Eles abordam desde períodos específicos de sua vida até análises de linguagem e estilo encontrados na sua produção. Há ainda alguns filmes, de curta e de longa metragem, nos quais ele é assunto ou personagem. Do mesmo modo, canções suas foram utilizadas nas trilhas sonoras de várias outras produções cinematográficas. E a sua vida foi objeto de um drama que Plínio Marcos escreveu: O Poeta da Vila e seus Amores. Esta peça, que foi encenada no Teatro Popular do Sesi, esteve em cartaz por mais de dois anos ininterruptamente.

Em 1934 ele se casou com a sergipana Lindaura Martins, mesmo sendo apaixonado por Ceci, apelido de uma trabalhadora em cabaré chamada Juraci Correia de Araújo, que primava pela beleza, pelo comportamento e pela elegância no vestir. Seu sonho era ser pai e a esposa teve um aborto espontâneo na única vez que engravidou, impedindo a realização deste projeto pessoal de vida. O casal acabou se mudando para Belo Horizonte, numa tentativa de curar a doença respiratória ainda inicial e também de salvar o casamento. Na capital mineira trabalhou em rádio e não demorou a voltar à boemia. De volta ao Rio, morreu repentinamente em casa.

03.02.2025

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O bônus de hoje é vídeo com Zélia Duncan cantando Último Desejo, de Noel Rosa.