ELIS REGINA, MARIA RITA, BELCHIOR E A VOLKSWAGEN
Um comercial tecnicamente muito bem produzido foi lançado como parte das comemorações aos 70 anos da Volkswagen no Brasil. Ele foi criado pela agência AlmapBBDO e executado pela Boiler Filmes, tendo como uma das suas marcas o uso da inteligência artificial. A campanha tem foco institucional, destacando a evolução da marca e dos seus produtos, ao longo de sete décadas no mercado nacional. Afirmando que “o novo sempre vem”, ele proporciona um reencontro inédito e impossível, no mundo real, com as cantoras Elis Regina – que faleceu em 1982 – e sua filha Maria Rita, fazendo um dueto com a música Como Nossos Pais, de Belchior (1946-2017). O slogan inclusive é tirado da letra.
Se por um lado a peça publicitária foi marcante, em termos de inegável emotividade, por outro gerou uma reação oposta de quem sentiu ser uma traição contra posturas políticas de Elis Regina e Belchior. Isso porque ambos em vida sempre foram contrários à utilização de sua arte e talento com apelo meramente comercial. Citam ainda, no seu protesto, o fato de ter sido comprovada a participação ativa da Volkswagen em favor da ditadura militar, inclusive com contribuição financeira de vulto. Desta forma, não admitem como correto que familiares tenham agora cedido direitos de uso da música e inclusive participado das gravações.
Belchior foi o meu maior ídolo em termos musicais, na adolescência. E segue comigo até hoje, como referência. Elis Regina era cria da mesma Vila do IAPI onde vivi boa parte da infância e início da juventude, sendo incensada por toda a crítica como uma das melhores cantoras brasileiras de todos os tempos. Se ambos tinham motivos de sobra e biografia para serem oposição aos valores burgueses daquela época e de sempre, ao mesmo tempo está na hora de nós, que continuamos aqui, termos um pouco de cuidado com o ranço ideológico. Ambos foram artistas de forte posição, inteligentes e antenados. Mas essa decisão de agora, tomada por seus herdeiros, não irá em nada apagar as histórias de ambos. Ela é legítima e compreensível na realidade atual.
Não se pode passar o recado de que tudo é eterno e imperdoável. Por causa de decisões da direção da época, a empresa será responsabilizada até quando? Evidente que ela, como qualquer outra, continua atuando dentro da lógica capitalista, na qual o lucro importa mais do que as pessoas. E sabemos também que neste sistema existe uma constante apropriação até mesmo de símbolos e sentimentos, com absolutamente tudo sendo potencialmente transformado em mercadoria. Mas, a melhor forma de combate não me parece ser essa. Alguém imagina então que o correto seria que tal comercial usasse uma música aprovada pelo Terceiro Reich, de Wagner ou Bruckner, por exemplo? E quem lhes emprestaria um vocal adaptado? Talvez com a inteligência artificial quem dirigisse a Kombi ao invés de Elis Regina fosse mesmo Adolf Hitler em pessoa, sendo que ao volante do ID – Buzz totalmente elétrico que chega esse ano – estaria não Maria Rita e sim o ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels.
Um comercial tem direito de ser também ficção. Ele mostra produtos, mas também faz conexões, analogias. Neste se pode ver veículos que marcaram a vida de muitos de nós, como o Fusca, a Brasília e o Gol. Será que nenhum esquerdista jamais comprou um destes, porque eram feitos pela Volkswagen? Todos andavam a pé ou de ônibus, até que chegaram os Lada importados da Rússia? No vídeo também estão T-Cross, Nivus, Taos, Virtus e Polo. E são mostradas pessoas comuns, além das duas cantoras que são celebridades e da “citação” feita, com a imagem de Belchior estampada na camiseta de um dos figurantes.
Melhor mesmo é se aproveitar os dois minutos de duração do vídeo para desfrutar algo que, se estivesse sendo produzido em qualquer outro contexto que não o de um anúncio, teria aprovação unânime. É delicioso ouvir outra vez Elis; seria fantástico se ela e sua filha pudessem mesmo cantar juntas; prestar atenção na qualidade das composições de Belchior é uma dádiva. Uma tecnologia sofisticada nos proporciona isso. Mas, o talento dos três nos humaniza. E esse é um presente pelo qual devemos agradecer, mesmo que ele agora tenha vindo em uma embalagem que alguns insistem em repudiar.
07.07.2023

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Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmenteNo bônus de hoje temos o comercial analisado no texto. Depois há um clipe no qual se pode ouvir a mesma música de Belchior, Como Nossos Pais, cantada na íntegra – na publicidade ela não está completa – por Elis Regina.