ERA UMA VEZ UM GÊNIO
Alithea Binnie, vivida por Tilda Swinton – aquela atriz britânica que vibrou muito com a escolha de Fernanda Torres como Melhor Atriz em Filme de Drama, no Globo de Ouro –, é uma professora universitária que não tem família, sendo racional e desiludida com sua própria existência. Em uma conferência da qual vai participar na Turquia, visita o Grande Bazar de Istambul e escolhe uma lembrança. É uma velha lâmpada azul e branca. No hotel, ao limpar a relíquia que acabara de adquirir, termina sendo surpreendida com a liberação de um ser que é misto de espírito e corpo físico. Isso deflagra a narrativa de Era Uma Vez Um Gênio, filme que chegou às telonas no final de 2022.
Essa história de existir uma entidade que habita uma lâmpada, na qual está presa, surgiu na cultura árabe. Está presente em As Mil e Uma Noites, obra que não foi escrita por um único autor, sendo resultado de uma espécie de compilação de histórias de tradição oral de vários narradores anônimos, ao longo de séculos. Sua origem é na Síria, Pérsia (atual Irã) e Índia. E deste conto é que derivou a história de Aladim, que apareceu pela primeira vez em 1704, em uma versão traduzida para o francês por Antoine Galland. Hoje a imagem do gênio da lâmpada se tornou uma espécie de ícone da cultura pop, aparecendo inclusive em inúmeros produtos à venda – viva o capitalismo! –, como brinquedos e jogos eletrônicos.
No filme que estou abordando hoje a história obviamente se repete. Mesmo que com uma conotação um tanto diferente. A essência é mantida, uma vez que todas as suas versões sempre remetem a realidades muito humanas, como desejos, vaidade, egoísmo e ganância. O que diferencia é que desta feita existem outros detalhes e envolvimentos. No início, a manifestação se dá de forma idêntica: pelo gesto acidental de esfregar o objeto. Em meio à fumaça aparece Djinn (papel de Idris Elba), que lhe oferece a tradicional possibilidade de três desejos serem realizados, em troca da sua tão sonhada liberdade. Aí a primeira brincadeira do diretor George Miller, uma vez que o nome do personagem etéreo é a palavra que, na cultura árabe, identifica gênio. Ou seja, o nome do gênio é Gênio.
Alithea primeiro duvida da realidade. Reafirma para si mesma que isso não existe fora das fábulas. Depois, para se convencer de que tal coisa seja mesmo possível, pergunta a Djinn como as pessoas fizeram uso dos pedidos aos quais tinham direito, ao longo dos séculos. E faz, como ele, uma espécie de viagem ao passado remoto, vendo estas situações todas e suas consequências. Até porque o anseio essencial do ser humano se repete, mas tem variações. É não estar sozinho, formar laços, reduzir o próprio sofrimento, sentir-se identificado e pertencente.
George Miller é um diretor muito eclético, com trabalhos passeando pelos mais diversos gêneros. Agora, inegável que independente de ser a obra na qual trabalhe algo mais comercial ou menos, ele sempre busca por uma narrativa caprichada. Foi assim com Mad Max, um clássico de ação; com o drama médico O Óleo de Lorenzo; com a excelente animação a respeito do aquecimento global, Happy Feet; e com este filme recente, Era Uma Vez Um Gênio.
Quanto aos contos constantes em As Mil e Uma Noites, a primeira das compilações foi a do livro Hezar Afsaneh, escrito na Pérsia. Por volta do século VIII, os árabes trataram de acrescentar elementos islâmicos. Após ser conhecida no Ocidente, graças a Galland, teve a mais respeitada das traduções feita pelo explorador inglês Sir Richard Burton. Esta tem um total de 16 volumes, que foram lançados entre 1885 e 1888. Direta do árabe, a primeira tradução foi de Mamede Mustafa Jarouche. No Brasil, isso ficou a cargo do médico e poeta Jamil Almansur Haddad, que fez seu trabalho a partir da versão em francês.
O filme Era Uma Vez Um Gênio é bastante leve, sem deixar de propor um tanto de reflexão. Aborda a solidão da vida moderna, os sonhos que todos temos, as angústias trazidas pela distância entre anseios e a real capacidade de serem realizados, além de tangenciar nossos modos de amar, apesar de tudo. Na relação entre Alithea e Djinn, ele quer a sua liberdade. E ela, o que deseja afinal? No início a mulher se recusa a pedir qualquer coisa, mas o personagem interpretado por Idris Elba vai lhe despertando algum interesse difuso, até que ela pede algo que é desesperado, porém crível. Mesmo para alguém que está há três mil anos convivendo com várias mulheres que o surpreendem e aprisionam. O próprio título do filme, no original em inglês, fala deste tempo: Three Thousand Years of Longing (Três Mil Anos de Espera). Não espere tanto para ver o filme, pois vale a pena.
23.04.2025

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Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmenteO bônus de hoje começa com o trailer legendado de Era Uma Vez Um Gênio. Depois temos Khaled, com a música El Arbi (Sou Árabe). Khaled Hadj Ibrahim (em árabe خالد حاج إبرهيم) é um músico, cantor e compositor franco-argelino. Ele começou a gravar ainda no início da adolescência sob o nome Cheb Khaled (الشاب خالد) e se tornou o cantor argelino mais famoso internacionalmente.