A PÁSCOA TEM COMPLEXAS ILAÇÕES

Estamos no domingo de Páscoa. No mundo ocidental moderno, talvez o dia no qual mais se consuma chocolate. Um momento de estranheza muito profunda, onde símbolos cristãos e também outros se misturam com interesses comerciais mais difusos. Querem coisa mais confusa do que coelhos porem ovos, ainda por cima feitos de chocolate? Se nossas crianças estivessem mais atentas ao que estarão talvez ganhando, poderiam nos perguntar como isso seria possível. E dificilmente nós, adultos por circunstância, contingência e sorte, teríamos facilidade para explicar.

Mas, antes de falarmos dos ovos, vamos tentar entender melhor a data em si. É importante ressaltar que a Páscoa era comemorada muito antes do surgimento do cristianismo. Sua origem está na celebração, por parte dos judeus, da libertação do seu povo depois de 400 anos escravizado no Egito. A Pessach, como é chamada a efeméride na tradição hebraica, aconteceu porque Javé teria enviado ordem para que Moisés tratasse de repatriar os hebreus. A palavra significa “passagem”. Há ainda quem afirme que sua origem é outra, existindo desde a Antiguidade na região do Oriente Médio, tendo sido iniciada para comemorar o nascimento de novas ovelhas, para aqueles povos uma riqueza significativa, quando na primavera. Vejamos agora como a Páscoa foi adotada pela fé cristã.

O Império Romano controlava na época boa parte do mundo, política e militarmente. Eram assim uma espécie de EUA, sem força aérea, mariners e bombas atômicas. Mas, em tese, a decisão de executar o revolucionário Jesus Cristo não foi imperial. Depois de preso, ele teria sido apresentado por sacerdotes judeus diante da autoridade maior da província da Judéia, o então governador Pôncio Pilatos, que lavou as mãos. Ou seja, tentou se eximir da responsabilidade e a passou para uma assembleia popular. Foi por aclamação que a morte dele acabou decidida. Só que aqueles que “votaram” a favor da crucificação do seu corpo, teriam sido influenciados, insuflados para tanto. Com campanha boca a boca, com o uso do medo, com redes que não sendo sociais eram mesmo assim de intriga.

Roma vivia o contexto que se convencionou chamar de “Pax Romana”. O império dominava territórios oferecendo segurança e cobrando impostos altos. Como fazem as milícias do Rio de Janeiro, que recolhem taxas dos moradores e comerciantes. Qualquer tentativa de fugir desse domínio era abafada com violência. Ela tinha que ser “educativa”, exemplar, para que novos rebeldes fossem desestimulados. Nada de Marielles, por exemplo. Era a paz de cemitério, de preferência com mortes públicas, com enorme repercussão, para apagar todo e qualquer movimento reivindicatório.

Jesus representava um problema sério, politicamente falando. Ele havia dito que deveria se dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. E o pessoal não entendeu direito: acreditaram que ele pregava contra o pagamento do sagrado imposto. Além disso, a Palestina já naquela época era um perigoso foco de resistência, que precisava ser debelado. Mesmo que Roma ainda não dispusesse dos tanques de hoje em dia, os poderosos Merkava IV, para facilitar o trabalho.

Para os judeus a presença dele também causava problemas. Muitos já o chamavam de rei e isso era muito sério para a estruturação da sua fé. Não era assim que estava escrito, não era assim que deveria ser. Então, vamos cortar o mal pela raiz. E o próprio modo como ele foi posto na cruz, entre dois bandidos, oferece novo simbolismo. Não eram seus propósitos honestos, não eram críveis nenhum dos seus ensinamentos. Além disso, ao contrário de Barrabás, que também fora preso e acabou perdoado, Jesus não pertencia ao Zelote, um partido judeu que lutava contra a dominação e realizava ataques surpresa contra as legiões, do mesmo modo que age o Hamas, na atualidade, contra Israel. Segundo o Evangelho de Nicodemos, que é um livro apócrifo que surgiu no Século III, ele foi ladeado por Dimas e Gestas, que seriam o bom e o mau ladrão. Com a suposta ressurreição de Jesus Cristo, a data passou a ter novo significado, com a própria cruz se tornando o símbolo cristão por excelência.

O ovo, por sua vez, é a expressão do nascimento. Ou do renascimento, como preferem alguns. Ele demonstraria a renovação periódica de toda a natureza. A vida encapsulada, sempre pronta para eclodir. Mas, outras concepções o acompanham. Em sepulturas muito antigas na Rússia e na Suécia encontraram ovos feitos de argila, que denotariam a imortalidade. Estátuas de Dionísio, nas tumbas da Beócia, o mostravam com ovos nas mãos, como uma promessa sua de que retornaria à vida. Muitas culturas o associam a valores de repouso, sendo a casa, a concha, o seio das mães. Na alquimia, o ovo filosófico é o núcleo do universo, o vaso que, ao ser hermeticamente fechado, guarda o composto primordial que ao ser chocado se transforma.

A tradição do ovo de Páscoa tomou conta de diversos países. As mães pintavam ovos de galinha e os usavam como enfeite. Depois, passaram a retirar clara e gema por um orifício o menor possível, preenchendo o interior com pequenas balas e doces. Foi quando pâtissiers franceses (confeiteiros) resolveram colocar chocolate dentro deles. Com o enorme sucesso, claro que o “Deus Mercado” se deu conta da oportunidade e tratou de popularizar a ideia. E hoje a exploração está passando muito dos limites aceitáveis, em termos de preço. Aqui no Brasil, segundo o Procon, o preço médio do quilo era de R$ 207,20 em 2023, tendo agora sofrido um reajuste que elevou para R$ 236,20 neste ano de 2024. Para efeitos de comparação, o quilo do filé mignon, o corte mais macio da carne bovina, com pouca gordura e muita suculência, está em R$ 65,99 no Rio Grande do Sul.

Para finalizar, falemos do coelho, o mamífero herbívoro que jamais botou sequer um ovo na vida e que agora parece fazer isso em milhares de ninhos que são espalhados pelas crianças. Reza a lenda que a Páscoa sempre era comemorada muito próximo do Equinócio de Primavera, um fenômeno que ocorre quando os raios solares estão exatamente sobre a Linha do Equador, que divide a Terra em dois hemisférios. Ou seja, se trata do período no qual ambos recebem quantidades iguais de escuridão e de luz. Como os coelhos estavam então fora de suas tocas, eram animais vistos antes dos demais, ainda reclusos e se protegendo do frio. Então, a eles se atribuiu o sinal da renovação, da volta à vida, da ressurreição.

Depois dessa enxurrada de informações, ninguém precisa se abalar, seja em sua fé cristã ou no desejo incontrolável de comer essa delícia que foi inventada pelos Olmecas, uma das primeiras civilizações das quais se têm notícias, aqui na América Latina. Foi a primeira a transformar frutos do cacau em chocolate. No começo, bebiam o produto durante rituais, além de fazer uso do mesmo como remédio. Bem depois, os Maias, que seguiram com essa tradição, apelidaram o chocolate de “Bebida dos Deuses”. Concordo plenamente com eles. E gosto como bebida, no inverno, tanto quanto como em barras, em qualquer época do ano. Posso dispensar o coelho e os ovos, mas jamais o chocolate. Também continuo sendo cristão, ao meu modo. Feliz Páscoa!

31.03.2024

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No bônus de hoje temos primeiro a música Chocolate, com o inesquecível Tim Maia. Depois é a vez de Frejat e a sua Amor Pra Recomeçar.

ACORDARAM A XUXA

A bela andava adormecida. Ou ao menos estava sonolenta, longe dos holofotes que mais dão destaque: aqueles da Rede Globo de Televisão. Nos últimos dias, no entanto, ao retornar para sua antiga casa, virou verdadeiro arroz de festa (*). Esteve presente em diversos programas, seja como entrevistada, convidada ou atração. Circulou pelo Domingão com Hulk; no Mais Você, da Ana Maria Braga; no Altas Horas, de Serginho Groisman; no Que História é Essa, Porchat?; no Fantástico e até mesmo no Papo de Segunda, atração do canal GNT. Deram um jeito inclusive de recuperar velhos vídeos com ela no Criança Esperança, onde também teve participação no deste ano. E uma apresentação junto com Angélica e Eliana, antigas “concorrentes”, foi chave de ouro. Se estivéssemos na época do Big Brother Brasil, que ocorre sempre no começo do ano, não duvidem que seria vista visitando a casa. Ela ganhou até mesmo um documentário, que recupera sua trajetória mostrando ser ela um dos cases mais bem sucedidos da história da TV brasileira. Falo de Maria da Graça Meneghel, a Xuxa.

Gaúcha de Santa Rosa, há quem diga que saiu da sua cidade natal em uma quinta-feira e começou a falar chiado no Rio de Janeiro na segunda seguinte. Maldades à parte, iniciou como modelo ainda aos 16 anos, em desfiles e fotos publicitárias. Sua primeira capa foi para a revista Carinho, da Bloch Editores. Em 1983 iniciou na televisão, no Clube da Criança, criado por Maurício Sherman na extinta Rede Manchete. Ficou por lá até 1986, quando se transferiu para a Globo, onde de fato explodiu em termos de popularidade e audiência. Foram vários os programas que então protagonizou: Xou da Xuxa, Xuxa Park, Planeta Xuxa e alguns outros. Seu nome sempre no título da atração.

Graças ao trabalho da empresária Marlene Mattos, virou uma máquina de produzir dinheiro. Muitos discos, alguns filmes, linhas de cosméticos e de roupas, material escolar e brinquedos com sua imagem, tudo rendia uma fortuna. Mais tarde se transferiu para a Rede Record, onde não mais teve o sucesso anterior, mas seguia conhecida. Inclusive no exterior tentou fazer carreira, claro que sem a repercussão alcançada aqui em terras tupiniquins.

Em um país onde temos tantos reis e rainhas assim denominados pelos interesses do mercado – Pelé, Roberto Carlos, Marta, Hortência e Rita Lee, por exemplo – por que não uma Rainha dos Baixinhos? Foi a este posto ela alçada, quando ocupava o horário matinal da programação global e arregimentava milhões de crianças, que a seguiam como os ratos de Hamelin iam atrás do flautista. Naquele período contribuiu para encher muitos cofres, em especial os da emissora e dela própria, mas também de vários daqueles empresários que embarcaram juntos na empreitada.

Seus programas tinham relativa qualidade, mas nunca se livraram de alguns escorregões que, hoje em dia, seriam muito mais evidentes. Era constrangedor ver todas as manhãs ela conclamar as crianças que assistiam para se alimentarem bem na refeição matinal. Fazia isso diante de uma mesa com vários tipos de pães, frutas, cereais, leite, sucos e bolos, esquecendo que uma gigantesca parte entre aquelas que estavam vendo aquilo tinham no máximo um café preto e um pão dormido para consumir. Outra coisa é que suas Paquitas, as assistentes de palco que sempre a acompanhavam, eram todas loiras. Nunca houve sequer uma que tivesse cabelo escuro, mesmo que conservasse a pele clara. Negras jamais, nem em sonho.

O documentário que citei fizeram também para exorcizar algumas dessas agora indesejadas lembranças. E nele coube transformar a sua antiga empresária Marlene Mattos, outrora fundamental no sucesso de Xuxa, em uma bruxa malvada. Alguém precisava levar a culpa, deixando o papel de boazinha para a outra vez eterna Rainha dos Baixinhos. Esta afirmou em entrevista recente que nunca soubera que quando escolhiam por outros atributos uma Paquita não loura, essa era obrigada a pintar os cabelos. Mas, se esqueceu de um antigo comercial que fizera, que desmente essa sua conveniente versão de agora (veja ele no final desta crônica, nos bônus). Marlene foi também acusada pela antiga amiga de filtrar até mesmo seus possíveis namorados.

Alguns anos e procedimentos estéticos depois, eis que ela surge de volta à televisão que a projetou. Agora sessentona e sem mais chances de animar apenas auditórios infantis, até porque as crianças de hoje em dia são um tanto diferentes daquelas da sua época, se tornou necessário trabalhar a sua imagem. Para que possa ser aproveitada em outra gama de programas. Uma nova Xuxa precisaria brotar dos escombros, para ainda render o dim-dim que agrada tanto ao plim-plim. E é esse renascimento que todos estamos presenciando agora. Como Lázaro, ela está sendo despertada outra vez para a vida. Mas, esse milagre deve ser atribuído não a Jesus e sim ao “Deus Mercado”.

12.08.2023

(*) No Brasil essa expressão, “arroz de festa”, costuma ser empregada para designar pessoa que faz o possível para estar presente em todos os eventos comemorativos que consegue.

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No bônus de hoje temos primeiro um vídeo (a qualidade não é boa) de um velho comercial de televisão, estrelado por Xuxa. Depois é a vez de Pedro Iaco, com a música Fada Madrinha.