QUEM MANDOU MATAR MARIELLE
O fato ocorreu mais de 2.200 dias atrás. Uma vereadora do Rio de Janeiro voltava para casa, depois de uma reunião de trabalho. Era daquelas raras pessoas que realmente honram o cargo para o qual são eleitas. Levava a sério a sua função, defendendo a população da cidade como um todo, não apenas os eleitores que nela depositaram confiança e voto. No automóvel com ela estavam seu motorista e uma assistente. Então, um outro veículo emparelha com o deles e do seu interior é disparada uma rajada de tiros. Naquele instante, Marielle Franco e Anderson Gomes perdiam a vida. E a política brasileira perdia uma pessoa honesta, com carreira que se revelava merecedora de apostas em um futuro brilhante.
Aparentemente se dava mais uma vitória da criminalidade. Das milícias, dos bandidos que tomam conta muito especialmente do Rio de Janeiro, mas de outras tantas cidades brasileiras também. Gente que conseguiu, ao longo dos últimos anos, inclusive se imiscuir na política e colocar inúmeros representantes seus em postos que jamais poderíamos sequer imaginar, dentro de Executivos, Legislativos e de instituições diversas, alcançando absurdamente até mesmo a segurança pública e a justiça. Hoje, esses grupos dominam inclusive igrejas pentecostais, que usam para lavar dinheiro sujo. Entretanto, felizmente desta vez não foi bem assim. Demorou, demorou muito mesmo, mas as coisas estão sendo afinal esclarecidas.
Uma coincidência mais do que apropriada fez com que a prisão de três suspeitos de envolvimento no crime, dois mandantes e um terceiro envolvido cuja função principal era acobertar tudo, se deu justamente no Dia Internacional do Direito à Verdade sobre Violações dos Direitos Humanos e pela Dignidade das Vítimas, instituído pela ONU. A escolha da data foi para coincidir com o assassinato do arcebispo salvadorenho Óscar Arnulfo Romero, em 24 de março de 1980. A decisão foi tomada durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em 21 de dezembro de 2010.
A investigação chegou aos nomes do deputado federal Chiquinho Brazão, do União Brasil; seu irmão Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado; e de Rivaldo Barbosa, delegado que era Chefe de Polícia quando do crime contra Marielle e Anderson. E a Polícia Federal fez isso com um trabalho sério, mesmo que tanto tempo tenha se passado desde o fato, com inúmeras provas eliminadas e várias pistas falsas propositalmente plantadas. Não por nada cinco delegados foram sendo os responsáveis pela investigação, na Polícia Civil carioca, numa sucessão absurda de trocas que se davam sempre que algum deles se aproximava da verdade.
Se por um lado a família Brazão, que é uma das que possuem profundas ligações com milícias, estava se sentindo prejudicada em seus interesses pela atuação parlamentar de Marielle, o que aponta as razões para seu envolvimento, a maior surpresa foi descobrirem a participação umbilical de Rivaldo Barbosa com o caso. Demonstrando que havia cuidadosa premeditação para o cometimento do crime, ele foi nomeado Chefe de Polícia na véspera – não se trata de força de expressão, tendo sido um dia antes mesmo – dos assassinatos, pelo então interventor militar na segurança pública, o general Braga Netto. O mesmo que concorreu às eleições de 2022 como vice na chapa de Jair Bolsonaro e que está envolvido com a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. O papel do delegado, além de ser elemento ativo na elaboração do plano, seria se responsabilizar pelo travamento de qualquer investigação.
O cinismo de Rivaldo Barbosa foi tanto que ele pessoalmente tratou de consolar a família de Marielle, depois de sua morte, assegurando que haveria total dedicação no sentido de solucionar o crime. Gravou vídeos e tirou fotos ao lado da mãe e da irmã da vereadora, ocasiões nas quais fez tal promessa. Ao mesmo tempo, foram sendo infrutíferas todas as tentativas de federalizar as investigações, durante o governo anterior. Assim, ao longo do tempo persistiam as mesmas dúvidas de sempre: quem matou, quem mandou matar e por que nunca nada era elucidado. Essas foram todas esclarecidas agora, o que não significa que outras ramificações não devam ser seguidas com olhar atento. Se sabe que os irmãos Brazão e Rivaldo mandaram, que os 13 tiros foram disparados mesmo por Ronnie Lessa e que Élcio de Queiroz dirigia o automóvel Cobalt na noite do crime. Esses dois últimos estão presos há bom tempo, sendo que suas delações foram essenciais para a solução.
Sem existir mais sigilo sobre o caso, se soube de detalhes interessantes quanto ao modo como tudo aconteceu. Um exemplo é que os criminosos infiltraram um elemento de sua confiança no PSOL, ainda um ano antes, com o objetivo de acompanhar todos os passos dados pela vereadora e determinar exatamente a sua rotina. Outro ainda, entre tantos, é que no ponto exato onde o carro de Marielle foi alvo da emboscada, a câmera de vigilância estava “inoperante”, a única daquele trecho todo. Bota acaso nisso! As armas, que foram jogadas em alto mar, assim como o veículo, que foi desmontado, completam o cuidadoso roteiro.
Apenas não sejamos ingênuos em acreditar que nada mais exista por baixo desses panos sujos. Com a tampa do bueiro aberta, se torna muito provável que mais e mais ratos saiam. E, caso não saiam, cabe à sociedade tratar de retirar cada um deles deste esgoto. Não podemos nos iludir, esquecendo uma possibilidade que nada tem de improvável ou sequer remota. Talvez ainda reste uma dúvida, uma pergunta para se formular, sonhando que uma resposta definitiva venha e consiga nos tranquilizar de vez: teria alguém mandado os mandantes mandarem matar Marielle?
26.03.2024

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Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmenteSão bônus, na postagem de hoje, primeiro um clipe gravado por petistas do Espírito Santo, quando da passagem dos 40 anos do partido, com a canção Sorriso de Marielle, que compuseram e apresentam no clipe feito em homenagem à vereadora do PSOL. Depois temos uma música bem curtinha, de Jorge Mautner, que leva o nome de uma das vítimas desse crime bárbaro que começa a ser esclarecido: Marielle Franco. E fechamos o primeiro bônus tríplice da história do Virtualidades, com Hoje e Sempre, de Paco, com ele próprio e Luíza Lara.