A BIABA E A TUNDA
Quando eu era um menino, ainda no milênio passado, não era incomum a gente ameaçar ou ser ameaçado por algum amigo – melhor do que por desafetos, porque deles a ameaça seria séria – de levar uma biaba. Daí, convém explicar o que isso significa por aqui. Até porque não sei se esta acepção é generalizada. No Sul, biaba é um golpe seco e não muito forte, que se dá ou sofre. Não é soco, não é tapa. Tá mais para aqueles croques nas orelhas. Pancada com falanges dos dedos dobradas. O que significa que se não fossem amigos, não seria mesmo essa a escolha.
A biaba é um “para-te quieto”. Um jeito de acalmar, de dizer que chega de falar bobagem. Vi em alguns dicionários que seria um substantivo feminino com o significado de “surra, tunda, tareia”. Mas, afirmo que não corresponde ao uso que se dá por aqui. Tunda, por exemplo, no Sul se trata de algo muito mais sério, contundente, marcante. “Tunda de laço”, então, é uma surra daquelas, de nunca ser esquecida, de deixar mesmo sequelas, sejam elas físicas ou emocionais. Enquanto a biaba é quase pancada de amor, a tunda manifesta uma explosão de ódio.
Fiquei pensando aqui em quem eu gostaria de dar umas biabas e quem mereceria uma tunda histórica, mesmo que não dada por mim. Asseguro que vários nomes me vieram à cabeça, especialmente no segundo dos grupos. Vez por outra eu brinco – lógico que apenas com pessoas que têm capacidade de entender – que, sendo espírita como sou, não veria muito problema se tanta gente ruim que anda por esse mundo fosse dele removida à força. Que eu próprio poderia fazer isso ou apoiar. E a razão é que a morte deles não seria definitiva, se estando apenas antecipando a possibilidade de estes irem aprender algo no mundo espiritual. Não falo sério e, com certeza, jamais teria coragem (ou covardia?) para praticar tais atos, mesmo sabendo que muitos desta lista hipotética defendem a tortura e a eliminação sumária de adversários.
A vida é sagrada demais para ser desperdiçada. Mesmo que, de certa forma, a gente faça um pouco disso todos os dias. E ela, a existência, tem o hábito de nos dar biabas e surras, que são pedagógicas mesmo que a gente não se dê conta disso. Há um ditado que diz que “a dor ensina a gemer”. Eu discordo: gemer a gente geme sem necessidade de aprendizagem alguma. É inerente à condição humana, uma reação que se pode dizer involuntária. Acho mesmo que “a dor ensina – ou deveria ensinar – a viver”. Isso sim é mais coerente, mais preciso. E olha que mesmo assim muitas vezes tudo passa batido e a gente não aprende nada. Eu mesmo, sem muito esforço, me vejo em algumas situações dessas, quando avalio criticamente minha trajetória pessoal.
No idioma tshiluba, que também é conhecido como luba-kasai ou ainda luba-lulua, uma das tantas línguas bantu, sendo essa da República Democrática do Congo, biaba significa lábios. O que ajuda na minha proposta de identificação, que se trate mesmo de uma “pancadinha de amor”. Já tunda tem uma origem que nós, ocidentais brancos e muito pretensiosos e arrogantes, consideramos mais nobre: vem do latim tundere, que seria expressão para “bater muitas vezes” ou ainda “malhar” – mas não como nas academias e sim como aquele hábito de bater em bonecos que representam Judas.
Independentemente do significado das palavras e do sentido dos gestos, relevante é o que aprendamos com umas e outros. É tirar proveito dos ensinamentos propiciados. E, seguindo o que propõem os termos que foram aqui abordados hoje, não se deve esquecer que se aprendemos apanhando, isso não nos permite ensinar batendo.
27.102024

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