ARGUMENTAÇÃO COMO ESTRATÉGIA

Tem aquela história: a empregada procura a patroa em uma das salas da imensa casa e diz que deseja um aumento de salário. Mas, por que eu deveria pagar mais para você?, questiona a mulher. Por pelo menos três motivos diferentes, afirma a funcionária. Primeiro, porque eu cozinho bem melhor do que a senhora fez em qualquer época da sua vida. E quem te disse isso?, indaga a dona da casa. O seu marido, responde a empregada. Segundo, porque eu arrumo essa casa de um modo que a senhora jamais conseguiria fazer igual, prossegue ela. E quem fez essa avaliação?, volta a perguntar a patroa. Outra vez o seu marido, assegura a funcionária, cada vez mais confiante. E, em terceiro, porque eu faço sexo muito melhor do que a senhora. Também foi o meu marido que falou tal coisa, quis saber a dona da casa, agora um tanto assustada. Não, quem me falou isso foi o jardineiro. E de quanto é o aumento que você deseja?, concluiu a patroa sem pestanejar, encerrando o assunto.

Evidente que o exemplo fictício acima deveria ser enquadrado como uma chantagem e não como reivindicação. Entretanto, é inegável que fazer uso de informações, acumular conhecimento e defender pontos de vista com a força que isso tudo oferece se torna um poderoso modo para que se alcance objetivos. E a capacidade argumentativa aparece como talvez o instrumento mais determinante, como forma de tornar o capital que a informação apropriada nos traz, como algo que efetivamente dá aquele resultado esperado.

Toda argumentação na verdade é apenas um processo linguístico, que se oferece diante de muitas situações no nosso cotidiano. Em todas elas o essencial é a defesa de uma ideia que nos interessa seja acolhida. Os meios para isso podem ir de recursos lógicos e concretos, chegando até mesmo ao mais apelativo uso do emocional e do abstrato. O argumento é uma afirmação que vem acompanhada de uma justificativa (o que é chamado de retórico) ou resulta de duas afirmações opostas, em uma justaposição (o que é chamado de dialético).

Quando se vai além e examina a questão do ponto de vista filosófico, o argumento se reveste de um conjunto de uma ou mais declarações, que podem ser identificadas como premissas ou proposições, que depois são seguidas por uma frase declarativa, que fecha tudo sendo a conclusão. No entanto, explicar a questão desse modo tão teórico pode parecer até mesmo um exagero, em situações como esta da abertura, com a história daquela funcionária inteligente – ou oportunista? –, conseguindo o seu aumento que pode ou não ter sido merecido.

Estratégias argumentativas são fundamentais em textos opinativos. Não há quem dê uma opinião sem que tenha, mesmo que escondida no seu íntimo, a vontade de que ela seja aceita e corroborada. Quem faz isso defende posição, explica porque acredita ser essa a melhor e busca no outro, no interlocutor, uma esperada concordância. Essas estratégias poderiam e deveriam também habitar o cotidiano das conversações, sem que se entenda, no entanto, que toda e qualquer conversa deva ser uma disputa. É possível e até agradável a busca de argumentos que sirvam como concordância ao falar do outro, que valorizem o que vem dele, que solidifiquem semelhanças de pontos de vista.

Um dos grandes problemas que estamos enfrentando na atualidade é ser essa a era das convicções absolutas. Mas, as pessoas não chegaram até elas através do diálogo e da argumentação. Os posicionamentos não precisam ser defendidos, apenas afirmados e reafirmados. Vale qualquer suposta credibilidade da fonte, mesmo que seja ela o grupo de familiares e amigos no WhatsApp, que nem foram a origem da informação. Ela foi repassada tantas vezes que não se sabe quando e onde nasceu, sendo importante apenas a certeza das pessoas de que aquilo tem que ser de fato uma verdade. E ponto final! Questionar não é ser dissidente, mas um reles traidor, alguém que não apenas pensa diferente ou está propondo que se analise tudo mais a fundo, sendo sim um enviado dos infernos para plantar a cizânia.

Acho que até o diabo se surpreenderia com isso. Tem tanta gente agora fazendo o trabalho dele que poderia se aposentar. O que – e esse se trata de um argumento meu – seria muito ruim para todos nós. Afinal, ao invés de termos apenas um inimigo do bem e da virtude, o enfrentamento cotidiano já está tendo que ser contra um exército inteiro deles, o que ainda tenderia a piorar. E são eles um grupo contra o qual argumentar não faz diferença alguma.

09.03.2024

Argumentar é fazer uso de uma ação verbal para defender opinião ou ponto de vista

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O bônus de hoje começa com Argumento, de Paulinho da Viola. Depois temos Fala Por Ti, com a banda porto-alegrense Ultramen. Ela mistura vários ritmos, desde rock até reggae, passando por funk e rap.