ATÉ A MENTIRA TEM NÍVEIS

O primeiro dia do mês de abril se tornou no Brasil o Dia da Mentira ou o Dia dos Bobos, em 1828, quase dois séculos atrás, portanto. A tradição teria iniciado com o jornal mineiro A Mentira, um impresso que trouxe em sua primeira capa, como manchete, a suposta morte de Dom Pedro I. Historiadores acreditam que os editores da publicação não escolheram a data por acaso, uma vez que apesar de até então desconhecido por aqui, na França isso surgiu quando foi imposta aos franceses a mudança de calendário, no Século 16. Tiveram eles que abandonar o juliano, ao qual estavam acostumados. Acontece que no calendário anterior o ano novo era festejado em 25 de março, com evento que se estendia até 1º de abril. Assim, quando o rei Carlos IX determinou que o ano teria início oficial em 1º de janeiro, boa parte da população continuou comemorando do modo antigo. Então, como chacota, outros passaram a enviar para estes que resistiam em nome da tradição, presentes estranhos e convites para festas que na verdade não eram realizadas, na tentativa de mostrar o ridículo do apego. Essas brincadeiras passaram a ser popularmente conhecidas como plaisanteries – piadas, na tradução literal –, com nada sendo verdadeiro.

Outra versão é que o Dia da Mentira seria um costume bem mais antigo, iniciado no Festival de Hilária (alegria, em latim), uma festa romana que ocorria ainda antes do nascimento de Cristo. Ela celebrava o equinócio do final de março, sendo uma forma de homenagear Cibele, uma deusa que era originária da Frígia, uma região da Ásia Menor onde hoje fica a Turquia. Ela era conhecida como a “Mãe dos Deuses”, ou como “Deusa Mãe”, simbolizando a natureza e toda a força que vem da fertilidade. Esse seu culto se espalhou pela Grécia Antiga, chegando ao Império Romano. Neste evento, brincadeiras inconsequentes eram estimuladas.

Em tempos modernos, Estados Unidos e outros países de língua inglesa têm o “April Fools Day” (Dia dos Tolos de Abril), quando também são feitas diversas brincadeiras e pegadinhas entre as pessoas, tanto em seus ambientes de trabalho quanto entre amigos. Na Espanha fazem brincadeiras semelhantes em dois dias do ano: o 1º de abril e o 28 de dezembro, que é o Dia dos Santos Inocentes. Na Itália a tradição local inclui o preparo de pratos culinários falsos, surpreendendo familiares. E na Grécia acreditam que se alguém cair em uma pegadinha sua, isso lhe trará sorte por um ano inteiro.

Não se pode abordar esse assunto, a inverdade proposital, sem que se lembre do personagem Pinóquio, criado em 1883 por Carlo Collodi. Ele era um boneco feito de madeira, cujo sonho era se tornar um menino de verdade. Uma das suas características marcantes era mentir, mas ele enfrentava um problema com isso, uma vez que seu nariz crescia um pouco cada vez que fazia tal coisa. Fico pensando se não seria perfeito ser assim com boa parte dos políticos e de outras lideranças, que se fizeram a partir da capacidade de iludir, enganar, ludibriar as pessoas. Isso permitiria sua identificação com muito maior facilidade. Mas, com certeza a cirurgia plástica de rinomodelação se tornaria a mais comum do mundo.

Agora, vejam que nos dias atuais as brincadeiras de 1º de abril são muito menores. Menos pessoas se dispõem a isso, talvez porque estejam se acostumando com o fato de que mentiras as atropelam todos os 365 dias do ano – 366 agora em 2024, já que estamos em ano bissexto. E que não há nada de engraçado nisso. Entretanto, se torna necessário que se diferencie o chiste, a brincadeira, a mentira leve, datada para ter uma duração breve e sem consequências graves, daquilo que passou a se chamar de fake news, por exemplo. Porque essa busca por objetivos que passam longe do hilário, do engraçado, daquilo que é quase infantil.

Existe ainda a mitomania, a mentira patológica que consegue beirar a delinquência, tendo tendência duradoura e incontrolável. O mitômano é aquela pessoa que faz isso de modo compulsivo, partindo de pequenas mentiras e chegando facilmente em histórias mirabolantes, que atingem até mesmo detalhes surpreendentes. Muito interessante que o termo que as identifica começa com “mito”. A etimologia vem do grego mythos, do verbo mythevo, que refere a criação de histórias imaginárias, aquilo que é falso e irreal. Ou seja, bota apelido perfeito o que é dado para aquele político brasileiro que brotou do submundo e foi alçado não ao Olimpo, mas ao Planalto.

Agora, mais incrível ainda é que, segundo relata a psiquiatria, pode a mitomania também oferecer um fator associado, uma vez que não raro o paciente produz intencionalmente sintomas físicos ou mentais de alguma doença inexistente. Isso pode, por exemplo, permitir que corra para um hospital quando se sente ameaçado por quaisquer circunstâncias e fatores externos. Quem segue cegamente esse personagem que cito sem citar, acredita que se trata de um elogio ser ele chamado de mito. E, com isso, faz um favor para a história. Porque aponta com clareza a principal característica dessa pessoa nefasta.

02.04.2024

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O bônus de hoje é com Erasmo Carlos e a música Pega na Mentira, em clipe gravado ao vivo.

SONATA AO LUAR

O que essa história tem de triste, também tem de linda. De tal forma que importa pouco saber se esse fato ocorreu de verdade. O mais importante é que ele se materialize ocupando e cumprindo papel de ser exemplo de superação, sensibilidade e capacidade criativa. Falo da suposta razão pela qual o gênio musical Ludwig van Beethoven (1770-1827) compôs Sonata ao Luar. Consta que em fase mais do que difícil de sua vida, morando em uma pensão pobre para onde havia se mudado por necessidade absoluta, estando abandonado e surdo, conheceu uma moça que lá também residia e era cega. Nessa versão dos acontecimentos, teria ela dito a ele que o que mais desejava na vida era poder enxergar uma noite de luar.

Sensibilizado com a situação, ele teria criado outra de suas tantas obras imortais: a Sonata para piano nº 14, Op. 27 nº 2. O nome, que pouco deve significar a quem não é profundo conhecedor de música erudita, se tornou secundário diante da difusão do “apelido”, esse sim reconhecido pela maioria das pessoas: Sonata ao Luar. Ao longo da história do cinema, ela integrou a trilha de inúmeros filmes, sendo a maioria deles romances. Mas, existem também registros que garantem ter o apelido sido dado pelo crítico Ludwig Rellstab, que teria comparado sabe-se lá por que razão a sua sonoridade com um luar sobre o Lago Lucerna. Se essa segunda informação se confirma, põe em dúvida a história que antes apresentei como original. O que, sinceramente, me faz torcer contra o crítico e a favor da moça sem visão e sem nome. Mas, existe ainda versão que afirma ter sido a composição, criada em 1801, apenas uma obra dedicada à condessa Giulietta Guicciardi, uma de suas alunas.

O que ninguém nega é que o compositor sofria de uma enorme carência afetiva, algo trazido ainda da infância. Seu pai era um dependente de álcool que o agredia fisicamente, com frequência, tendo morrido na rua. Sua mãe faleceu jovem e os irmãos biológicos nunca foram próximos a ele. Além disso, a doença que o tornaria surdo progredia de modo constante e irreversível, o que poderia afastá-lo da música. A situação era tão grave que ele costumava levar consigo uma tábua ou caderno, pedindo para quem quisesse lhe dizer algo que optasse por escrever. Entretanto, poucas tinham paciência para tanto, o deixando com escassas condições de se comunicar. A profunda depressão foi resultado lógico, de tal forma que consta ter ele redigido testamento e pensado em pôr fim à própria vida. O que felizmente não ocorreu, permitindo à humanidade ser brindada com tudo que ainda veio a constituir sua obra.

Voltando ao suposto encontro na pensão, Beethoven teria chorado ao se dar conta que sua limitação não era nem a única nem a mais grave de todas. Afinal, ele podia “imaginar” o som e escrever nas linhas de suas pautas – isso mais tarde passou a ser chamado de partituras. Sonata ao Luar, em sua sonoridade, imita passos vagarosos, hesitantes. Talvez os dados por alguém que não enxergue, ao trilhar caminhos estranhos. Estudiosos chegam a garantir que as três notas que se repetem remetem às sílabas da palavra “why?” (por quê), como se houvesse um clamor no sentido de entender as razões da vida.

Essa resposta ele não deve ter tido. Essa resposta não temos nenhum de nós. Mesmo assim, acredito que todos, sem exceção, devemos agradecer por ele ter feito a pergunta. Por ele ter se emocionado e nos permitido compartilhar dessa mesma emoção, através da sua sonata.

27.01.2024

Ludwig van Beethoven

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O bônus de hoje é Sonata ao Luar (Moonlight Sonata), com a pianista Lola Astanova e o violoncelista Stjepan Hauser. Astanova é nascida no Uzbequistão e se tornou mundialmente conhecida principalmente em função de suas interpretações de compositores como Chopin, Liszt e Rachmaninoff, além da performance visual e das transcrições de piano. O croata Hauser também é uma estrela da música, realizando as suas apresentações solo ou em parcerias, por todo o mundo.