MARCHINHAS DE CARNAVAL

Foi no ano de 1899 – o penúltimo do século 19, portanto – que a pianista e compositora brasileira Chiquinha Gonzaga (1847-1936) compôs aquela que é considerada a primeira marchinha carnavalesca da história: Ó Abre Alas. Passados 125 anos, duvido que algum dos milhões de brasileiros que apreciam o Carnaval a desconheça. Ao longo desse tempo todo, se torna impossível imaginar quantos bailes e desfiles a usaram para a sua animação. E sua autora foi pioneira em muitas coisas mais, entre as quais sendo nossa primeira pianista chorona e também a primeira mulher a reger uma orquestra popular no Brasil. Além disso, por ter sido muito explorada em seu trabalho, fundou uma inédita associação protetora e arrecadadora de direitos autorais em nosso país, a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), em 1917. Em termos políticos, se envolveu em alguns escândalos, como por exemplo quando executou seu tango Corta Jaca, considerado atentatório à moral, em pleno Palácio do Catete, no ano de 1914.

Marchinhas de carnaval são músicas de estrutura simples, geralmente compostas em compasso binário. O que as caracteriza é um ritmo ao mesmo tempo animado e muito acelerado, com letras que possam ser facilmente assimiladas. Isso tem um resultado muito eficaz, na medida em que as pessoas as decoram e repetem com facilidade. Não é nada raro que tragam dose de malícia e duplo sentido em suas letras, isso além de muito humor, ironia e boa dose de crítica social. Elas são mais antigas, por exemplo, do que os sambas-enredo das escolas, que têm uma narrativa muito mais longa e complexa.

As marchinhas viveram ao longo de praticamente quatro décadas, entre 1920 e 1960, como uma das principais marcas do Carnaval brasileiro. Nesse período os bailes lotavam as dependências dos clubes sociais, não apenas no Rio de Janeiro. Confete e serpentina cobriam as pistas e as mesas que se adquiria, nos salões. E as bandas contratadas tinham que tocar sempre, além da já citada Ó Abre Alas, pelo menos outras seis que cito aqui como clássicas: As Pastorinhas (de João de Barro e Noel Rosa, 1933); Mamãe Eu Quero (de Jararaca e Vicente Paiva, 1936); Allah-lá-ô (de Haroldo Lobo e Nássara, 1940); Aurora (de Mário Lago e Roberto Roberti, 1941); Cachaça (de Mirabeau Pinheiro, Lúcio de Castro e Heber Lobato, 1953); e ainda Me Dá um Dinheiro Aí (de Ivan, Homero e Glauco, todos de sobrenome Ferreira, 1959).

Com o passar do tempo e o crescimento do interesse econômico sobre o Carnaval, ele foi se tornando uma festa menos espontânea e muito mais voltada ao turismo, à busca da rentabilidade e lucro de grandes grupos. Hoje, o que sobrevive mais parecido com seus primórdios são os blocos que se organizam e saem às ruas, sem aquele apelo todo das grandes escolas de samba. A música também foi sendo substituída. Não havia mais como dar importância às marchinhas, que foram sendo trocadas pelos sucessos de cantoras, cantores e grupos de samba, axé e forró ligados a gravadoras. Com amplo apoio do marketing, mega eventos se espalharam nos espaços públicos e nas mídias.

Mesmo assim, a criatividade ainda resiste. E temos compositores que se dedicam a criar marchinhas, sempre com a esperança de que alguma delas consiga furar o bloqueio e ganhar notoriedade, mesmo que apenas no mundo virtual. Estímulo existe por meio de uma série de concursos que principalmente prefeituras de várias cidades brasileiras têm realizado. São várias no interior de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Maranhão e outros Estados mais. Considerando os títulos de finalistas que andei conferindo, no mínimo aqueles itens que citei antes – ironia, crítica, duplo sentido e cotidiano – continuam em alta, conferindo fidelidade às origens: Milagre do Viagra, Bendita Baderna, Adoro Celulite, Vovô Ampulheteiro, Bode Velho, Horra Meu e Ontem Eu Tomei Todas, são alguns poucos entre os tantos exemplos. Nesses eventos, os autores nem sempre são explícitos em assuntos que tenham a política como pano de fundo. Vá saber a relação entre o corpo de jurados e as “autoridades locais”. Mas, nas redes sociais, muitas têm aparecido. Como a que deixo em áudio para vocês, no bônus de hoje.

12.02.2024

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O bônus de hoje é o áudio de Patriotários, uma marchinha carnavalesca de autoria de Nino Antunes. Com essa composição ele “homenageia” a turba que conseguiu, além de cometer crimes graves no dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília, a proeza de gravar tudo em centenas de vídeos, criando provas irrefutáveis contra si.

FELIZ ANIVERSÁRIO, BRIZOLA!

Carazinho, 22 de janeiro de 1922 – na época a localidade se chamava Cruzinha. Nessa cidade gaúcha e na data citada nascia um dos líderes políticos mais carismáticos da história do Brasil. O que significa que hoje se comemora seus 102 anos, mesmo não estando mais ele entre nós, desde 2004. Leonel de Moura Brizola foi o único brasileiro que conseguiu se eleger governador em três oportunidades, por dois Estados diferentes: Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Antes disso, seus conterrâneos gaúchos o haviam escolhido para deputado estadual, deputado federal e prefeito em Porto Alegre.

Brizola conviveu pouco com seu pai, que foi assassinado por forças leais ao então presidente da Província, Borges de Medeiros, quando ele tinha ainda dez anos, durante a Revolução de 1932. Em função desse fato, entre as poucas brincadeiras que se permitia na infância estava imaginar que era o personagem caudilho Leonel Rocha, que lutava para vingar a morte do pai. E teve tal importância esse fato que resultou mais tarde em uma solicitação para mudança legal de nome: ele que nascera Itagiba, assumiu o nome do herói.

Ainda no interior, foi alfabetizado em casa mesmo, pela sua mãe. Vindo morar em Porto Alegre em 1936, apenas em 1942 teve condições de concluir o ensino fundamental. Mesmo assim, três anos depois obteve vaga no curso de Engenharia Civil na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde se formou em 1949, um ano antes de casar com Neusa Goulart, que era irmã do então deputado estadual e mais tarde presidente da República, João Goulart.

A política entrou em seu sangue definitivamente ainda quando estudante universitário. No mesmo ano em que ingressou na UFRGS, também se tornou membro ativo do Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB. E estava por lá quando se elegeu deputado estadual. Foi reeleito em 1950. Na prefeitura, chegou em 1956, na segunda vez que disputou. Seu slogan vencedor foi “nenhuma criança sem escola”, começando aí sua enorme obsessão pela educação pública, o que se tornou seu maior legado. Para cumprir o prometido, ampliou o número de prédios e o de vagas. Também investiu em obras de infraestrutura e saneamento nas periferias da capital.

Em 1958, se torna governador e termina com o déficit de 270 mil vagas no ensino público, promovendo convênios com escolas privadas, além de ter acrescentado seis mil salas de aula nos prédios estaduais. Mas foi muito além disso: nacionalizou a Bond & Share, que monopolizava o fornecimento de energia elétrica na Região Metropolitana, criando a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE); e fez algo semelhante com a International Telephone and Telegraph, que foi substituída pela Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT). Esses fatos, somados à posição de resistência contra os militares, que pretendiam dar um golpe em 1961, o tornaram persona non grata tanto para os EUA quanto para as Forças Armadas entreguistas do nosso país.

Exilado no Uruguai e depois na Europa, a partir de 1964, só voltou para o Brasil depois da anistia de 1979. Impedido por Golbery do Couto e Silva de retomar a sigla PTB, fundou o Partido Democrático Trabalhista, o PDT, que nunca alcançou a expressão nacional do primeiro, com suas forças se concentrando muito mais no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. Disputou o governo deste segundo em 1982, contra Moreira Franco (MDB), que era apoiado pela Rede Globo. Com a certeza de que o risco de fraude era enorme, uma vez que o TRT contratara empresa ligada aos militares para fazer a apuração, Brizola organizou contagem paralela, comprovando que estavam direcionando votos brancos e nulos para o seu adversário. O Jornal do Brasil, concorrente de O Globo, deu ampla cobertura ao fato e o gaúcho terminou eleito com 1,7 milhão de votos. A partir disso, ele nunca mais conseguiu se ver livre do ódio explícito de Roberto Marinho.

No Rio, sonhava em implementar os Centros Integrados de Educação Pública, os CIEPs, apelidados de Brizolões. Neles haveria ensino em tempo integral e amplo apoio social às famílias dos alunos. Mas, isso foi boicotado e destruído por ação sistemática da mídia, liderada pelo Grupo Globo. A perseguição chegou ao ponto de deixarem de cobrir o Carnaval, culpando Brizola pelo fato, e de criarem matérias falsas associando o governo com o crime organizado. Com esse clima hostil, ele se lançou candidato à Presidência, na primeira eleição direta depois do final da Ditadura Militar, em 1989. Acabou em terceiro, atrás de Fernando Collor de Mello (PRN), que era parceiro da TV dos Marinho, em Maceió; e de Lula (PT), que foi de modo informal ajudado no primeiro turno e destruído no segundo, com a edição manipulada do debate televisivo final.

Leonel Brizola ainda perseguiu esse sonho em 1994, quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) venceu no primeiro turno. E em 1998, desta vez como vice de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando ficaram em segundo com FHC sendo reeleito. E em 2002 ele apoiou Lula no segundo turno, quando este venceu José Serra (PSDB) e se tornou o primeiro operário a chegar à presidência da República em nosso país. Brizola faleceu no Rio de Janeiro, em 21 de junho de 2004, vitimado por um infarto. Seu corpo está no Cemitério Jardim da Paz, em São Borja, Rio Grande do Sul, mesmo local onde estão sepultados Getúlio Vargas e João Goulart, dois ex-presidentes, e sua esposa Neusa.

22.01.2024

P.S.: Abaixo você encontra o “Algumas Coisas Para Se Pensar” e também o bônus musical.

Leonel de Moura Brizola

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ALGUMAS COISAS PARA SE PENSAR (12)

  1. Recebi por e-mail convite para ir apreciar um Festival do Torresmo, algum tempo atrás. A ideia me pareceu bem deliciosa, mas meu colesterol desaconselhou. Entretanto, o que me chamou a atenção mesmo foi que no card enviado havia o desenho de um porquinho correndo. Temo que tenham alcançado ele.
  2. Dados divulgados dias atrás: 2023 fechou com 650 mil pessoas vivendo em situação de rua nas grandes cidades, dos EUA, com esse número em crescimento constante. O país mais rico do mundo já não consegue esconder as consequências do sistema capitalista, do qual é o maior dos exemplos.
  3. Foram 60 as notas máximas em Redação, na recente prova do ENEM. A maioria dos que alcançaram esse feito é do Nordeste. Nenhum entre todos os agraciados, de qualquer ponto do país, era aluno de escolas militares.
  4. Pastor que lidera igreja evangélica em São Paulo publicou em sua página no Facebook, afirmação de que “mendigos têm o dever bíblico de passar fome”. Deve ser por isso que atacam tanto o padre Júlio Lancellotti, que ousa trabalhar em na defesa dos desassistidos.
  5. Notícia de última hora, no final de semana: Ronnie Lessa, que é assassino confesso da vereadora carioca, Marielle Franco, e de seu motorista, Anderson Gomes, acaba de fechar acordo de delação premiada com a Polícia Federal. Consta que irá entregar de vez quem mandou o crime ser cometido.

O bônus de hoje é uma paródia: Aquarela do Professor, aqui cantada por Gabriel Augusto, não tem a autoria conhecida. Mas, foi produzida sobre Aquarela, de Toquinho. Este, por sua vez, compôs a melodia e usou letra do italiano Guido Moura, em 1983.