O AMOLADOR E ALGUNS VERBOS
Existem verbos que se usam tão pouco que nos esquecemos da existência deles. Agorinha, em plena manhã de domingo, passou na frente do meu prédio um amolador. Veio precedido daquele apito, que eu ouvia quando era criança, no apartamento dos meus avós, na Vila do IAPI. Depois do som dele, a gravação informando que amolava quaisquer ferramentas: desde facas e canivetes, passando por cortadores de unhas e chegando até mesmo em machados. Se algum vizinho meu descesse com um machado para afiar, eu ficaria com medo dele a partir de então. Quem, nos dias atuais, em um prédio alto em bairro residencial de uma cidade grande, precisaria ter tal instrumento de corte? Mesmo as árvores da vizinhança, que andam sendo abatidas mais do que o necessário, passam por esse processo com serras elétricas de empresas terceirizadas, contratadas com sadismo pelo prefeito Sebastião Melo.
Amolar, mesmo se alguém ainda não soubesse, ficou claro agora que é sinônimo de afiar. Não tem nada de parentesco com aquele “não me amole”, que também é antigo e significava algo como o mais atual “não me encha o saco”. Aliás, facas afiadas e sacos não parecem se dar bem. Basta lembrar o que fez certa vez uma senhora, nos EUA, com o seu companheiro: cansada de ser abusada, deu algo mais forte para ele beber e fez uso de uma que tinha na cozinha, literalmente extirpando os seus problemas. E criando um imenso para ele, que talvez merecesse mesmo esse doloroso fim. Mas, é melhor não ficar dando ideias.
Brandir é outro desses verbos, significando mover de um lado para outro aquilo que se empunha, geralmente uma arma branca. É agitar na mão a espada, antes de um golpe. Mas, ninguém luta mais com espadas hoje em dia. Se ainda se fizesse isso, seria útil manter seu fio sempre afiado. É o que faziam os japoneses, que tornaram sua katana uma das mais mortais da história, uma vez que ela conseguia abrir ao meio até mesmo capacetes de aço. Ou seja, eram tão fatais quanto a língua de algumas pessoas nesse tempo atual, que talvez pudessem destruir até mesmo a reputação daqueles samurais antigos e inabaláveis.
Fulgir é o que acontecia com essas lâminas, ao refletirem o sol, fosse em campos de batalha ou depois, nos desfiles dos vitoriosos. Talvez no segundo caso o brilho fosse maior, uma vez que não seria atrapalhado pela presença do sangue de ninguém. Admito que fulgurar é parecido, mas não igual. Esse cintila e resplandece. Mas, ambos estão no Hino Nacional Brasileiro através da letra escrita por Joaquim Osório Duque Estrada. Nele o sol da liberdade tem raios fúlgidos, enquanto o Brasil todo fulgura, ao ser o florão da América. Esses dois verbos, que parecem primos, hoje não podem ser usados nem para o nosso ouro, que está tão sujo de mercúrio e coberto pela dor indígena, nos garimpos ilegais.
Pior é que, contra essa situação, que citei no final do parágrafo anterior, não se tem conseguido nem assunar. Outro verbo esquecido pelo tempo e que significa se revoltar, se amotinar. Estamos, a maioria de nós, um tanto anestesiados. O volume de absurdos e iniquidades é tanto que não consegue mais coitar ninguém. Para concluir, antes que as pessoas que estão lendo façam alguma confusão com palavra muito próxima na sua grafia – e bastante longe em termos de acepção –, é importante salientar que isso quer dizer causar sofrimento, afligir, magoar. Isso posto, trato agora de me apartar daqui. O que não significa de modo algum que eu estivesse brigando com alguém e que tenhamos sido separados. Neste caso o verbo tem o sentido de ausentar-se. Então, até a próxima.
13.03.2024
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Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmenteO bônus de hoje é com Zélia Duncan e a música Todos os Verbos.