ESTÃO MATANDO O FUTEBOL BRASILEIRO

Não há sequer uma rodada dos campeonatos de futebol disputados no Brasil, sem que ocorra pelo menos um erro grave da arbitragem. Este fato, somado à desorganização de muitos clubes e das federações todas, ao compromisso com quem transmite as partidas pela televisão levando a dias e horários absurdos – a audiência vale mais do que a frequência da torcida nos estádios e arenas –, à baixa qualidade técnica resultante da exportação dos talentos cada vez com menor idade e à uma cultura protecionista, tudo reunido torna o “espetáculo” cada vez menos digno de ocupar nosso tempo. Só o que resiste nisso tudo é a paixão de cada um dos milhões de torcedores, o único fator que segue inabalável.

Comecei esta análise citando os árbitros porque esta, entre todas as crises citadas, é aquela que oferece resultados negativos de imediato. Os atletas, as comissões técnicas e inclusive o corpo diretivo de muitas das agremiações são totalmente profissionais. Os juízes e bandeirinhas não. Estes têm outras profissões e recebem por jogo no qual atuam, como se fosse apenas um bico. Ou seja, uma atividade que movimenta milhões de reais a cada final de semana oferece o poder de decisão final a quem não tem o mesmo comprometimento que os demais envolvidos. Este é o absurdo básico. Na rodada do Brasileirão deste final de semana um pênalti deixou de ser marcado para o Grêmio, contra o Internacional, enquanto o Juventude teve assinalado contra si um que não aconteceu. E estou citando apenas os clubes gaúchos participantes do certame. Há outros 17, apenas na Série A. Nas duas rodadas anteriores, outra vez analisando estes três mais próximos de nós, o Internacional também teve um sonegado, frente ao Fortaleza, e o tricolor gaúcho foi outra vez vítima dos “equívocos”, quando não marcaram um contra o Flamengo.

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tem apenas um aspecto que pode ser aplaudido, nos últimos anos: deixou de “virar a mesa” e mantêm com rigor os regulamentos no que tange tanto aos rebaixamentos quanto aos acessos. No passado já tivemos, por exemplo, o Fluminense caindo da Série B para a Série C e disputando, no ano seguinte, a Série A como convidado. Entretanto, seus dirigentes não conseguem sequer contratar um treinador para a Seleção Brasileira que, por pura arrogância – ou por cegueira –, insistem em “vender” como a melhor do mundo. Em eleição recente, presidentes de clubes e de federações estaduais, mesmo assim, reconduziram por unanimidade seu presidente.

Como a televisão banca valor elevado, que ajuda a manter quase todos os clubes – exceções talvez sejam apenas Flamengo, Palmeiras e uns poucos que se tornaram recentemente SAFs – Sociedade Anônimas de Futebol, graças à legislação aprovada em 2021, faz o que quer com os jogos todos. Então, há partidas todos os dias da semana, além de coisas esdrúxulas, como marcar um Grenal para às 21 horas de um sábado, em meio a o maior feriado do ano, com a cidade esvaziada. Além disso, como detentora dos direitos, ela escolhe que clubes privilegiar nas suas transmissões, ampliando o crescimento de algumas torcidas em todo o território nacional, em detrimento de outras.

As categorias de base dos clubes brasileiros estão servindo apenas como “barrigas de aluguel” para os poderosos clubes europeus. Estes mantêm olheiros que retiram todo e qualquer talento promissor daqui, por uma ninharia se considerarmos depois aqueles valores de revenda dos mesmos atletas, entre eles. Se antes levavam quem tinha a partir de 21, 22 anos, agora fazem isso com quem nem ainda assinou contratos como profissionais, antes dos 16. E temos um doloroso sistema que faz com que os que aqui permanecem cresçam imaturos e inconsequentes. São garotos mimados que não fazem nada por si mesmos. São desde o começo cercados por regalias e assessores desnecessários. Incapazes de decidir qualquer coisa, inclusive em suas vidas particulares. Como reizinhos que precisavam ter auxiliares até para se vestir (*).

Por causa disso, por exemplo, Neymar – que está quase chegando à aposentadoria – segue sendo o “Menino Ney”. Um camarada que precisou levar alguns supostos amigos para viver em Barcelona, quando saiu do Santos. Falo dos seus “parças”, prontos para aplaudir tudo o que ele fizesse, fosse o que fosse. Algo, sejamos justos, que não foi feito apenas com ele. Daí ficou anos sendo por lá apenas um “cai-cai”, apesar do reconhecido talento, de ser um extra-classe. O sonho de ser o melhor do mundo nunca passou disso: um sonho.

A gente assiste à tarde, nas transmissões internacionais, jogos de times como o Liverpool e Arsenal (Inglaterra), Atlético de Madrid e Barcelona (Espanha), Bayern e Borussia Dortmund (Alemanha), além de outras tantas equipes dos mesmos países ou da Itália, e os caras correm os 90 minutos. Além de não simularem faltas, não reclamarem dos árbitros – muito melhores do que os nossos –, respeitam os regulamentos e as torcidas, valorizando o produto que vendido lhes rende milhões. Depois, à noite, temos que nos contentar com o subproduto, com o que sobrou, com aqueles tantos atletas que não chegaram ao mercado multimilionário.

No passado Falcão, Zico, Sócrates, Tostão, Rivelino, Jairzinho, Dirceu Lopes, Afonsinho e inúmeros outros que mereciam de fato reverência como craques – nem falo de Pelé –, desfilavam por Maracanã, Morumbi, Mineirão, Olímpico e Beira-Rio. Hoje, quando se decora a escalação do nosso time, ela já se desfez. Se antes cada um destes ficava por anos vestindo a camiseta do mesmo clube, atualmente se têm duas ou três alterações profundas por ano. Nenhum dos que citei acima precisaria ser avisado pelo árbitro sobre o que fazer ou não dentro do campo. Hoje, vão bater um escanteio e o juiz precisa advertir quanto ao empurra-empurra; vão cobrar qualquer pênalti e os goleiros são avisados que só podem se deslocar sobre a linha. Mas, escuta: os profissionais não sabem que isso está na regra? Como resultado se perde preciosos minutos, raramente acrescidos ao final com a devida correção. Então, se paga para ver jogo de 90 minutos e se assiste apenas uns 45.

Estão ou não matando o futebol brasileiro? E, raios: eu continuo sendo gremista, vendo meu time jogar na Arena ou pela televisão, renovando a cada partida a esperança de que as emoções serão positivas, que tudo vai valer a pena. O que fica difícil quando jogador do teu time é aterrado dentro da área adversária no finzinho de um jogo, o VAR chama o árbitro informando ter sido penalidade máxima, e só ele consegue ver diferente.

21.04.2025

(*) Uma característica das monarquias é a subserviência dos súditos aos seus reis e rainhas, que são assessorados para os mais banais afazeres, desde trocar de roupa até tomar banho. Anos atrás, uma das profissões mais controversas neste ambiente era a de “groom of the stool” que, em tradução livre, significa “empregado de banheiro”. Era tarefa o acompanhamento das majestades em suas idas ao banheiro móvel e cuidar de suas necessidades fisiológicas de perto. Isso incluía, de modo literal, revirar fezes e urina para informar a qualidade intestinal daqueles membros da realeza a quem serviam. E, literalmente, higienizar a área física. Em troca, além de se tornarem muitas vezes confidentes, ainda eram eles presenteados com roupas de segunda mão.

Jogador do Flamengo com o braço colado ao corpo, segundo o juiz que olha o lance bem de perto

O bônus de hoje é vídeo com a gaúcha Elis Regina interpretando Meio de Campo, música de Gilberto Gil feita em homenagem a um dos maiores meio-campistas do futebol brasileiro, que foi Afonsinho. No piano, temos César Camargo Mariano.