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UMA ROTINA ASFIXIANTE

Não, o filme não é recente. Mas, se você não tinha conhecimento quanto à existência dele, ou se tinha e ele não lhe chamou atenção, está na hora de considerar a hipótese de assisti-lo. Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce, 1080 Bruxelles não recebeu um título em português, mas por aqui ficou conhecido de um modo mais sintético, simplesmente por Jeanne Dielman. Ele é um drama franco-belga que foi escrito e dirigido por Chantal Akerman e lançado em 1975. A filmagem demorou apenas cinco semanas, tendo sido financiada através de uma bolsa.

Falando em tempo, ele dura mais de três horas e tem apenas uns cinco minutos de diálogos. Ou seja, uma experiência difícil para quem está mais acostumado com a alucinada velocidade – e violência – dos filmes produzidos nos Estados Unidos. Tem que ter amor pela “Sétima Arte” e estar de fato disposto a ser verdadeiramente seduzido pela linguagem que ela é capaz de utilizar e a possibilidade de reflexão que oferece.

A narrativa é um mergulho na rotina da vida de uma mulher comum, ao longo de três dias. A personagem é viúva e se dedica exclusivamente ao trabalho doméstico e repetitivo. Por isso o ritmo contido e as tomadas longas, com câmera tão estática quanto sua vida. A atriz Delphine Seyrig está perfeita no papel, conseguindo transmitir a angústia enorme na qual a dona de casa está submersa sem se dar conta. Tudo é cronológico e asfixiante, até que detalhes vão levando à perda do controle. Mas, isso acontece a partir de detalhes, coisas rigorosamente insignificantes, que apontam para o fato de o limite suportável ter sido atingido.

Jeanne não tem vida. Ela apenas cuida da casa, que mantém arrumada de forma meticulosa, e do filho adolescente. Paga suas contas e fica na espera das seguintes. Até que esse equilíbrio doentio é quebrado. Não por um fato extremo, não causando uma explosão de raiva, uma reação intempestiva. Ela surta a partir de pequenos detalhes, como uma louça quebrada – quem nunca destruiu por acidente algum copo? – ou pelo fato da sua xícara estar com a alça virada para o lado oposto que ela sempre colocava. E assim, sua pouca sanidade mental vai se esvaindo.

O filme é uma representação artística, oferecendo um profundo mergulho psicológico na vida claustrofóbica que o cotidiano doméstico não raras vezes proporciona. Mostra o fardo do cotidiano como uma bomba-relógio que pode – e um dia vai – explodir. Mesmo que não para fora, mas de modo interno, autodestrutivo. No caso de Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce, 1080 Bruxelles, ele oferece um final catártico. O que nem sempre, ou raramente, acontece na vida real. Mas, afinal de contas, a arte pode nos propiciar isso.

11.10.2025

A atriz Delphine Seyrig, no papel de Jeanne Dielman

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O bônus de hoje é Bagatelle, de Ludwig Van Beethoven. A música está em Jeanne Dielman, que não teve uma trilha sonora especialmente composta. Você pode ver o clipe, com o pianista Jonathan Morris, logo após o trailer do filme.