A PRIVATIZAÇÃO DAS PRAIAS

Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) está com sua audiência pública marcada para às 14 horas desta segunda-feira, 27 de maio. Isso foi decidido pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) em um final de tarde, na semana passada, com uma relativa discrição, como se desejassem que tal fato sequer chegasse ao conhecimento da população – o que obviamente é impossível. Ela leva o número 03/2022 e foi apelidada de “PEC da Cancún Brasileira”, em referência à praia famosa que tem este nome e fica no México. O seu teor propõe a extinção dos chamados “terrenos da marinha”. E, o que é mais incrível, sua propriedade poderia passar para atuais ocupantes, ou para grileiros que reivindicam, gratuitamente.

Os terrenos da marinha foram estabelecidos ainda durante o Império, com o objetivo de garantir a segurança da costa. Atualmente são regulados pelo Decreto-lei 9.760, de 1946. A legislação determina que essas áreas possuam 33 metros contados a partir da maré alta, com a mesma distância valendo para as margens de rios e lagos. Nas cidades litorâneas pode chegar a 80 metros, conforme legislação complementar. É importante salientar que as áreas são de fato da União, não da Marinha. Estão sob responsabilidade da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), que é vinculada ao Ministério da Economia. Deste modo, uma iniciativa privada só pode sobre ela se estabelecer mediante licença concedida após análise e com uma contrapartida socioambiental que venha a ser determinada. O que, sabemos todos, nem sempre vem sendo uma exigência respeitada. Mesmo assim, em termos financeiros rendeu em 2021 mais de R$ 600 milhões aos cofres públicos, apesar da enorme inadimplência.

A ideia obviamente preserva zonas militares e portuárias, mas pouco além delas. A pescadores e comunidades tradicionais, que estão sendo usados como falsa bandeira pelos defensores da proposta, não adianta muito a mudança. Assim como está eles já têm assegurado o direito ao uso, existe a segurança jurídica necessária. Mas, se não for um ente público a garantir isso, eles se tornarão vulneráveis à pressão desigual exercida por megaempresários interessados nos locais. Ou seja, na prática entregar para essas comunidades a propriedade é facilitar que elas venham a ser em pouco tempo afastadas.

Outra ameaça será contra áreas fundamentais para a proteção do meio ambiente. Espaços de manguezais, apicuns, restingas, dunas, o costão rochoso e até mesmo ilhas, uma vez alterados pela especulação que deverá se seguir caso a PEC seja aprovada, deixam de ser defesa contra a contenção de danos em emergências climáticas. A necessidade atual é de recuperação de muitas dessas áreas, não de se dizimar as existentes. Manguezais e apicuns, por exemplo, são chamados de “ambientes de carbono azul”, sendo imprescindíveis para o equilíbrio do clima. Também os benefícios da biodiversidade serão reduzidos.

Um outro temor bastante fundamentado é que, uma vez que as praias estejam em mãos privadas, a construção de resorts e condomínios de luxo acabe criando espaços de praia com restrição à circulação. A legislação reconhece as praias como “bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica”. O que mesmo agora, na prática não acontece em todos os locais. Angra dos Reis é um bom exemplo disso, onde pouco sobrou para área de lazer e prática esportiva para a população.

Em fevereiro do ano passado o tema já havia sido levado ao plenário da Câmara dos Deputados pelo seu atual presidente Arthur Lira (PP). Isso ocorreu, por uma incrível “coincidência”, no exato momento em que também se discutia a possibilidade da liberação dos jogos de azar no Brasil. Quando empresários manifestaram enorme interesse na criação de cassinos no litoral brasileiro, que maximizariam seus lucros com a associação desta atividade ao turismo. O que poderia beneficiar algumas pessoas lá mesmo no seu Estado, que é Alagoas.

Aliás, dias atrás surgiu um anúncio com aparência de informal, nas redes sociais, no qual o jogador de futebol Neymar – aquele mesmo que teve uma dívida milionária em impostos perdoada em troca de apoio para a candidatura de Jair Bolsonaro à presidência – informa que se associou com uma construtora e irá investir em um grande empreendimento no Nordeste. Ele já possui inúmeros imóveis em Balneário Camboriú, Santa Catarina. Mas, nada parecido com a pretensão de agora: criar a tal “Rota Due Caribe Brasileiro”. E ela deverá ficar entre Recife e Maceió, na área de preservação ambiental Costa dos Corais.

O tempo é curto – termina em poucas horas – e a ação pode mesmo ser inócua. Os senadores que ficam encastelados em Brasília durante oito anos não costumam ser muito sensíveis à opinião do povo brasileiro. As chamadas audiências públicas em geral são feitas por pura formalidade, para atender uma obrigação legal. Mesmo assim, tente AGORA MESMO entrar no site do Senado para dizer NÃO para tal PEC. Você pelo menos poderá dizer que não ficou omisso, que não foi conivente com mais essa barbárie que está por ser cometida.

27.05.2024

Costa dos Corais: um grande empreendimento vai ameaçar o meio ambiente

O bônus de hoje começa com o anúncio da provável devastação dos corais, comemorada por Neymar. Depois temos o clipe oficial da música Aloha, com Falamansa e Natiruts.

JOIAS QUE VALEM MUITO, GENTE QUE VALE NADA

Está na hora de cessarem o uso de meias palavras e o recurso de botar panos quentes: basta uma investigação mediana e será confirmado que os “presentes” enviados para Jair e Michelle Bolsonaro – o agora famoso caso das joias apreendidas pela alfândega – na verdade não passavam de propina. Vamos comparar as datas de dois eventos e isso fica claro. Não deu 30 dias entre a chegada da comitiva brasileira que trouxe a tal muamba e a data da oficialização da venda da Refinaria Landulpho Alves, localizada em São Francisco do Conde, na Bahia, para o fundo de investimentos Mubadala Capital, que tem sede nos Emirados Árabes.

A decisão de vender a refinaria foi tomada pelo governo Bolsonaro, mesmo com os pareceres contrários e os alertas dados por profissionais do setor e diversas organizações, que apontavam grande desvantagem econômica e competitiva para o país, caso o negócio fosse concretizado. Pior do que a venda ter sido mantida, ela terminou sendo feita por um valor muitíssimo abaixo daquele das avaliações feitas. O Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) calculou como preço justo algo que girasse entre três e quatro bilhões de dólares. Ela foi arrematada por US$ 1,65 bilhão. Ou seja, alguém lucrou e muito com isso, mas não a Petrobras nem o povo brasileiro.

As joias foram entregues em mãos pelo príncipe Abdulaziz Bin Salman Al Saud, ministro de Energia do reino da Arábia Saudita, país vizinho aos Emirados Árabes, ao ministro de Minas e Energia brasileiro de então, o almirante Bento Albuquerque – isso mesmo: mais um fardado. Se deu quando uma comitiva brasileira visitava aquele país, ainda tratando de negócios. Bolsonaristas questionam existir ligação entre os fatos, uma vez que o “presente” teria sido dado por membros do governo saudita e não dos Emirados. Mas o Mubadala Capital, apesar de ser controlado pelo fundo soberano de Abu Dhabi, conta também com vários outros investidores, com aportes significativos vindos de outras nações árabes.

Mas, tudo bem: vamos considerar ser “coincidência”, uma vez que os árabes têm mesmo o hábito de presentear visitantes com objetos caros, especialmente para governantes que eles desejam agradar. Só que mesmo eles, com sua opulência e extravagância conhecidas, não vão assim tão longe, em termos de valores. A título de comparação, até então os presentes mais caros dados por eles foram um quadro para George Bush, em 2003, avaliado em US$ 1 milhão; e em segundo lugar joias dadas para a esposa de John Kerry, quando esse era responsável pela diplomacia norte-americana, no valor de US$ 780 mil. Uma outra Michelle, de sobrenome Obama, recebeu pouco mais de US$ 1 milhão, mas foram em duas ocasiões distintas, sendo essa a soma de ambas. Mais grave é que o total destinado para Bolsonaro e Michele não se resumia ao que a Receita Federal apreendeu em Guarulhos, que ultrapassaria R$ 16 milhões. O exame das bagagens ocorreu por amostragem. Foi confirmado, inclusive pelo próprio ex-presidente, que um outro assessor conseguiu passar com itens que foram entregues a ele.

Os muitos diamantes que compõem colar e brincos michelianos têm entre três e cinco quilates cada um. Sendo assim, a imprensa está divulgando um valor de avaliação que está errado, sendo na realidade muito maior. Ou seja, a soma do valor de cada um destes diamantes resulta em algo que vai além daquilo que afirmaram ser o das joias. E aqui temos que considerar ainda outro fator que segue passando batido. O gosto do conjunto é mesmo muito duvidoso, não havendo como agregar mais nada ao preço final pelo trabalho artístico. Ele não condiz com a capacidade conhecida da casa joalheira: está bem pobre a ourivesaria. Então, fica evidente que o objetivo não era para eles serem usados e sim desmontados. Diamantes são sempre uma forma fácil de transferir recursos financeiros ilegalmente, porque o seu tamanho facilita muito o transporte e porque o mercado rapidamente o transforma em moeda corrente. Especialistas afirmam que falar em cinco milhões de Euros, neste caso, seria mais apropriado, se considerarmos o número de diamantes. Ou seja, não seriam os R$ 16,5 milhões divulgados e sim algo perto de R$ 30 milhões.

Imaginem que coisa incrível: um “presentinho oficial”, com um valor de fato exorbitante, mas que veio mal acomodado, praticamente escondido em uma mochila. Foi guardado nela com tamanho descuido que uma estatueta de cavalo dourado, que em momento algum foi avaliada na cobertura da imprensa, teve as suas patas quebradas. Ela se somava ao colar, aos brincos e outros itens menores. Quem trazia a mochila nas costas, displicentemente, como se nela estivessem os livros que um filho havia levado para a escola, era um dos assessores do ministro Bento Albuquerque, de nome Marcos André Soeiro – outro militar. O objetivo evidente era passar sem a declaração de bens. O que quase deu certo, não fosse o cuidado profissional de um dos auditores que trabalha no aeroporto, sendo zeloso com seus deveres.

Vamos agora fazer outra comparação entre números e valores. Os presentes recebidos por Lula no exterior, ou que foram depois a ele encaminhados, durante seus dois primeiros mandatos, somavam 568 itens incorporados ao chamado acervo pessoal. Desses, 559 terminaram por ser também transferidos ao patrimônio da União. Os outros nove, avaliados em R$ 11.748,40, foram extraviados. Eram eles uma cuia e bomba de chimarrão trabalhadas em prata e bronze; um porta-retratos; duas esculturas de madeira em forma de pássaro; um cartaz impresso com o Santo Sudário; uma garrafa de licor, em cristal, com tampa e gargalo em prata; uma espada com punho e bainha em madeira escura, uma escultura em bronze, com mulher apoiada em bicicleta e uma peça mostrando músicos ao redor de uma mesa. Então, o ex e atual presidente pagou, do seu bolso e em dez parcelas iguais, esse valor.

Entrevista concedida por Bolsonaro e que foi reproduzida em programa do ICL Notícias, comentando o caso, foi fantástica. Traído por um ato falho, a primeira frase que ele disse, tentando se defender de quaisquer acusações, foi “eu estava no Brasil quando esse presente foi acertado lá nos Emirados Árabes”. Ora, o recebimento ocorreu na Arábia Saudita e presente a gente não “acerta”, apenas se recebe. O que se acerta é propina, quando desonestidade é regra.

A grande questão é que tentaram entrar com as joias e os outros bens sem que nada fosse declarado – a legislação brasileira obriga declarar qualquer bem avaliado em mais de mil dólares na chegada ao país. Ou seja, não iriam ficar no acervo da presidência da República, sendo propriedade de todo o povo brasileiro. Isso seria sem dúvida incorporado ao patrimônio da “famíglia”. É tão verdadeira essa hipótese que, desde a apreensão, foram nada menos do que oito as tentativas de resgate do colar e dos brincos, mas todas elas via “carteiraço”, sem a comunicação de que os itens se tornariam propriedade estatal. Ocorreram pressões por ofício do gabinete presidencial, por parte de mais de um ministério e pelo Itamaraty.

A derradeira foi ao apagar das luzes do governo anterior, com o sargento da Marinha, Jairo Moreira da Silva, indo de Brasília para Guarulhos em avião da FAB com essa missão exclusiva, dia 28 de dezembro de 2022. Seu argumento é que não poderia “ficar nada para o governo seguinte”, mas mesmo assim foi mantida a apreensão. Convém se acrescentar que no dia seguinte, 29 de dezembro, outro avião da FAB levou Bolsonaro, com familiares e assessores, para os EUA – está lá até agora. E esse voo fez uma parada estratégica em Porto Velho, capital de Rondônia, para onde são levadas as pepitas de ouro ilegalmente retiradas das terras dos índios Yanomamis.

A antiga Landulpho Alves, rebatizada de Refinaria Mataripe, desde maio do ano passado vem sendo investigada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que apura prática de discriminação de preços de venda da gasolina e do diesel. Desde que foi privatizada, a empresa vende combustíveis em média 6,4% mais caros, considerado o preço praticado pela Petrobras. Além disso, em evidente abuso do poder econômico, oferece o mesmo combustível mais caro na Bahia do que em outros estados, como Alagoas, Maranhão e Amazonas, com diferenças de até R$ 0,30 por litro. Essa discriminação de preços é vedada, uma vez que por lei um consumidor não pode pagar a mais do que outro pelo mesmo produto. Este sobrepreço está garantindo que boa parte de nós, brasileiros – aliás, justo moradores do Estado onde ocorreu uma das mais estrondosas derrotas de Bolsonaro nas urnas –, termine por pagar o custo dos presentinhos. Até a propina cairá nas nossas costas.

10.03.2023

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