NOTAS SOBRE A ENCHENTE (1)

1.    Iniciada a operação “Quero Tirar o Meu da Reta” – O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), quase um mês após o início da enchente e com pressão crescente da opinião pública com relação à sua inoperância e culpa pela intensidade e proporções que atingiu o desastre, resolveu tomar uma providência. Assim, determinou que, em caráter de urgência, se abra uma sindicância para apurar responsabilidades dentro do DMAE, que ele sucateou para vender, quanto à não observância dos alertas dados por engenheiros que indicavam a necessidade de reparos no sistema de contenção das cheias. Melo “esquece” de citar que o orçamento que ele enviou para a Câmara de Vereadores em 2022 reduziu a zero os valores destinados para medidas de prevenção no ano passado. E que os cerca de R$ 400 milhões existentes no caixa do departamento estavam “intocáveis”, justamente para beneficiar aqueles que viessem assumir o controle, depois da privatização que ele desejava.

2.    Porto Alegre não forneceu o cadastro das famílias – Enquanto em outros municípios, como Canoas, as famílias atingidas pela cheia já estão recebendo o auxílio financeiro de R$ 5,1 mil concedido pelo Governo Federal, isso não está acontecendo com moradores da capital. A razão é que a administração Melo não enviou os cadastros, como deveria ter feito. A cidade vizinha que citei enviou documentação de 68 mil famílias, das quais 42 mil já tiveram o pagamento aprovado.

3.    Duto escoa empatia e humanidade – Moradores de condomínio de luxo na cidade de Pelotas instalaram, clandestinamente, um duto que escoava as águas acumuladas no seu interior, jogando para área vizinha, onde residem famílias mais pobres. O fato causou revolta e obrigou os ocupantes da área privilegiada a reforçar a segurança armada que sempre manteve no local.

4.    Desvio de doações para fins eleitorais – O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, do Ministério Público Federal (GAECO/MPF), no Rio Grande do Sul, realizou operação no sábado, 25 de maio, contra três integrantes da Defesa Civil do município de Eldorado do Sul, um dos mais atingidos pela cheia. Foram cumpridos mandados de busca e apreensão, depois de recebidas denúncias. E comprovaram que doações estavam sendo desviadas para contemplar eleitores dos investigados, na próxima eleição municipal. Dois deles são – ou eram – pré candidatos. Investigação semelhante agora está sendo feita em Barra do Ribeiro, onde ainda falta comprovação da veracidade dos fatos.

5.    O milagre da multiplicação das sacas de arroz – Depois de terem declarado que faltaria arroz, devido à enchente, e diante da pronta reação do Governo Lula, que determinou a importação do produto para assegurar o abastecimento interno – preço tabelado em até R$ 4,00 o quilo –, os produtores subitamente “lembraram” que a safra já havia sido colhida e estava estocada. Não colou, portanto, a tentativa de manipulação visando aumento indevido de preços. Nos supermercados, aquele industrializado por aqui beira os R$ 8,00. Com preço menor e qualidade assegurada, o arroz orgânico produzido pelo MST pode ser encontrado em alguns poucos locais.

6.    A fake news da contaminação – Entre tantas mentiras que estão circulando, se aproveitando da enchente para fins bastante escusos, uma parece ter origem bem mais fácil de ser encontrada do que as demais. Ela afirmava que o arroz comprado no exterior estava chegando ao Brasil com uma bactéria mortal. Ou seja, quem ousasse aproveitar o preço mais baixo para alimentar a sua família, estaria colocando a vida de seus membros em risco. E, adivinhem só: árabes estariam subornando pessoal da alfândega para evitar inspeção sanitária. Só faltou dizer que eram membros do Hamas. Outra coisa: erraram a origem do produto, que veio da China e não do Paquistão.

7.    Universidades disponibilizam conhecimento – Reagindo contra a decisão estapafúrdia dos governos Leite e Melo, que de modo inexplicável se apressaram em contratar uma empresa estrangeira que tem histórico mais do que suspeito para gerir a reconstrução do RS e de Porto Alegre, UFRGS, Unisinos e PUC se uniram para oferecer alternativa local com o mesmo fim. E já estão trabalhando no sentido de apresentar um plano consistente.

8.    O primeiro pedido de impeachment já foi protocolado – Não deverá ficar apenas nesse, mas foi protocolado o primeiro pedido de impeachment do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB). Ele está sendo acusado de negligência diante do fato de ter sido alertado oficialmente quanto aos riscos reais de enchente ocorrer na cidade, sem tomar as providências que lhes cabiam. Foi na quinta-feira, 23 de maio, sendo o documento assinado pelo secretário-geral da Uampa, a União das Associações de Moradores de Porto Alegre.

9.    Exército enquadra por alarme falso – Durante a noite do último domingo, moradores do bairro Mathias Velho, em Canoas, foram orientados por militares do Exército a abandonarem suas casas, devido ao suposto rompimento de uma barragem, o que levaria a alagamento ainda mais sério do que aquele já enfrentado no local. Isso causou princípio de pânico, tendo a notícia sido logo depois desmentida pela prefeitura municipal. Em nota posterior, o Exército confirmou o fato, prometendo averiguação e eventual punição, se for comprovada má fé no acontecido.

28.05.2024

Vista do Centro Histórico de Porto Alegre inundado. Foto de Gustavo Garbino

Você gosta de política, comportamento, música, esporte, cultura, literatura, cinema e outros temas importantes do momento? Se identifica com os meus textos? Se você acha que há conteúdo inspirador naquilo que escrevo, considere apoiar o que eu faço. Contribua por meio do PIX virtualidades.blog@gmail.com ou fazendo uso do formulário abaixo:

Uma vez
Mensal
Anualmente

FORMULÁRIO PARA DOAÇÕES

Selecione sua opção, com a periodicidade (acima) e algum dos quatro botões de valores (abaixo). Depois, confirme no botão inferior, que assumirá a cor verde.

Faça uma doação mensal

Faça uma doação anual

Escolha um valor

R$10,00
R$20,00
R$30,00
R$15,00
R$20,00
R$25,00
R$150,00
R$200,00
R$250,00

Ou insira uma quantia personalizada

R$

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmente

O bônus de hoje é a música Panorama Ecológico, com Erasmo Carlos. Você terá acesso à gravação feita ao vivo, logo depois de um pequeno vídeo que mostra estar o prefeito Sebastião Melo (MDB) queimado politicamente. Nem a grande rede de comunicação, que havia apoiado a sua eleição, suporta mais ele.

DE QUEM É DE FATO A TERRA

Em 1850 o alemão de nome Hermann Bruno Otto Blumenau recebeu, do Governo Provincial, a permissão de ocupação e uso de duas léguas de terras para que estabelecesse uma colônia agrícola, em Santa Catarina. Dezessete colonos chegaram ao local, no dia 2 de setembro daquele ano. Reza a lenda que a recomendação básica que lhes passaram foi a de que evitassem conflitos com os índios xoclengues (botocudos) e kaingang, que habitavam a região. Foi assim que o grupo, ao chegar no local e vendo que uma dessas tribos ocupava um dos lados do rio Itajaí, ficou em outro ponto. Tempos depois, verificando que não sofreriam hostilidades, os alemães foram até a aldeia levar presentes, tentando aprofundar a política de boa vizinhança. E, com eles, fizeram um pedido formal de desculpas por estarem em terras que seriam do povo tradicional. Ao que o cacique teria respondido que, na verdade, aquele pedaço onde estavam os europeus não era dos índios. Diante do espanto do colono e da pergunta óbvia sobre então quem seriam de fato os proprietários, acrescentou o índio: – Aquelas terras são das águas.

Não foi, portanto, por falta de aviso. O conhecimento acumulado, a experiência que tanto vale, permitia que os índios soubessem que de tempos em tempos haveria um alagamento, uma enchente. O que segue ocorrendo até hoje. Os alagamentos se repetem na cidade que resultou daquele agrupamento inicial, sendo que a maior marca atingida na história foi de 17,1 metros acima do nível normal. Quanto à colônia estabelecida, ela também foi crescendo ao ponto de atingir 10.610 quilômetros quadrados. Depois de 1934, no entanto, uma série de desmembramentos que ocorreram deram origem a nada menos do que 38 novos municípios distintos e a área atual de Blumenau tem 519,8 quilômetros quadrados, menos de 5% do que chegou a alcançar.

O modo de vida que todos nós levamos no mundo ocidental contemporâneo segue fazendo com que se confunda conhecimento com instrução e sabedoria com domínio de técnicas complexas. Embora essas tenham extremo valor, não se resume a elas o poder de assegurar o nosso desenvolvimento. Ao contrário: em muitos momentos atrapalham, porque nos deixam cegos em relação ao que de simples existe e que poderia facilitar nossas vidas. Os povos originários detêm conhecimento e sabedoria que muitas vezes subestimamos e que são e serão cada vez mais essenciais para nossa sobrevivência. Mas, ainda há quem subestime também os alertas dados pela ciência, por técnicos que têm a expertise e a capacidade de fazer uma leitura da realidade baseada em dados. Como o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), fez ao desconsiderar propositalmente um relatório de mais de cem páginas, que foi protocolado por área técnica do DMAE e afirmava, de forma categórica, que era urgente se fazer algo em relação ao sistema de contenção de enchentes existente na cidade. Ele nada fez, não tomou qualquer providência.

Na história – real ou não – catarinense, a terra não era dos índios, mas eles tinham e têm noção disso, de que ela quando com maiúscula (Terra) se trata de um ser vivo com o qual se interage e, quando com minúscula, se trata do chão que lhes oferece sustento e recebe os seus antepassados. E respeitam ambas as expressões. A terra não era dos colonos, que se apropriaram de espaços concedidos por um poder que sempre tratou de se autoproclamar proprietário. Voltando os olhos para a nossa realidade, Porto Alegre não é de Sebastião Melo e nem das empresas de construção civil que ele protege e beneficia. Aliás, como nossa memória em geral é bastante curta, quero lembrar de uma passagem dele quando candidato, antes de ter sido equivocadamente conduzido à prefeitura. Lhe foi solicitado, em uma entrevista, que citasse um livro que tivesse sua história ambientada na capital gaúcha. Algo simples assim, uma única obra literária que ele tivesse lido, uma publicação que versasse sobre a cultura, sobre a identidade porto-alegrense. Ele hesitou, sorriu com uma expressão que era por si só a confissão evidente da sua total falta de condições de fazer a citação, e depois disse “o Atlas”.

Pois Melo mentiu também naquela resposta. Ele nem sequer olhara o Atlas, que é uma publicação constituída por uma coleção de gravuras, gráficos, mapas e cartas geográficas que permitem conhecer minúcias relativas à área que abrange. Ele desconhece a topografia da cidade. Os riscos permanentes que ela enfrenta por estar debruçada em um lago que é o depositário de um volume sempre ameaçador de águas provenientes de vários rios. Melo é um blefe. Uma aposta que está custando demasiado cara para a população da cidade que ele não tem condições de dirigir. Essa omissão, essa negligência que beira o crime, resultou em perda de vidas, em destruição de patrimônio, em abalo econômico que sequer ainda se pode estimar, em empobrecimento futuro, em desgaste psicológico de milhares de pessoas. Não por acaso já foi protocolado na Câmara de Vereadores um primeiro pedido de impeachment, que provavelmente não conseguirá alcançá-lo antes do final do mandato. Mas, o voto popular em outubro próximo talvez o retire do sonho da reeleição e o traga para a triste realidade que ele estará legando ao povo de Porto Alegre.

25.05.2024

Hermann Bruno Otto Blumenau, alemão comerciante de terras

Você gosta de política, comportamento, música, esporte, cultura, literatura, cinema e outros temas importantes do momento? Se identifica com os meus textos? Se você acha que há conteúdo inspirador naquilo que escrevo, considere apoiar o que eu faço. Contribua por meio do PIX virtualidades.blog@gmail.com ou fazendo uso do formulário abaixo:

Uma vez
Mensal
Anualmente

FORMULÁRIO PARA DOAÇÕES

Selecione sua opção, com a periodicidade (acima) e algum dos quatro botões de valores (abaixo). Depois, confirme no botão inferior, que assumirá a cor verde.

Faça uma doação mensal

Faça uma doação anual

Escolha um valor

R$10,00
R$20,00
R$30,00
R$15,00
R$20,00
R$25,00
R$150,00
R$200,00
R$250,00

Ou insira uma quantia personalizada

R$

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmente

O bônus de hoje é o clipe da música Quanto Vale?, de Emílio Dragão, com ele próprio e Priscilla Glenda nos vocais. Ele foi gravado no Estúdio Mortmer, em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 2016. Trata-se de um grito, um protesto contra os eventos de Mariana, uma outra “tragédia anunciada” que ocorreu em nosso país e até hoje, oito anos depois, segue com a região sem uma plena recuperação. Aliás, por lá também contrataram para a gestão do problema a mesma empresa que agora Sebastião Melo se apressou em contratar para o mesmo fim, sem licitação: a estado-unidense Alvarez & Marsal. “Quanto vale a vida?”, pergunta a letra, lembrando que a Vale do Rio Doce, privatizada, foi responsável pelo desastre.