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NÃO SÃO OBSCENAS NA ORIGEM

Quem for mais suscetível de ficar desconfortável com palavras que se pode considerar mais vulgares, talvez deva reconsiderar a decisão de ler a crônica de hoje. Algumas serão usadas aqui, mesmo que de forma indireta. Não que sejam chulas, uma vez que estão em uso comum e bastante frequente, integrando inclusive vocabulário cotidiano para a identificação de partes do corpo humano ou de comportamento. De qualquer modo, fica o aviso.

Começo com a palavra recuar, que todos conhecem e não tem nada de mal. A questão é sua origem etimológica e seu significado real. Ela vem do latim reculare, que significa andar para trás, retroceder. A formação se dá com a junção de “re”, que indica movimento para trás – no carro se precisa vez por outra dar a ré – com “culare”, que identifica o traseiro do nosso corpo, o ânus. Ou seja, literalmente, recuar significa empurrar o cu na direção de uma parede, por exemplo, para se proteger. Hoje também pode ser utilizada como sinônimo de desistir, mudar de ideia.

Também é no latim que temos culus, significando rabo ou póstero. Isso que explica o termo culatra, que também refere partes posteriores, esse usado para o fecho do cano de armas de fogo. Em casos muito raros nos quais há alguma falha no dispositivo, o tiro ao invés de ser disparado para a frente pode sair pela parte traseira, atingindo o próprio atirador. Assim, a expressão idiomática “o tiro saiu pela culatra” aponta para um resultado inesperado, em geral que era para ser positivo e se tornou negativo.

Interessante acrescentar que o termo caralho, que tem hoje em dia, aqui no Brasil, tanto o uso como sinônimo de pênis quanto de interjeição para demonstrar espanto – quando vaza o som em transmissões esportivas pela TV dá a impressão de que se trata de um dos atletas em campo, de tanto que é repetido à beira do gramado –, ele também possui uma origem em nada obscena. Vem do latim caraculu, que designava uma pequena estaca ou um pedaço de pau. Quando passou a ser usado para designar o membro dos touros é que ficou muito próximo de ser aplicado também para o órgão sexual dos homens. Uma associação um tanto exagerada, temos que admitir, considerando-se ambas as dimensões.

Outra relação etimológica não imaginada, mas muito verdadeira, se dá entre as palavras testemunha e testículo. O termo latino para quem chamamos de testemunha era testis, sendo testiculi o seu diminutivo. Esta segunda palavra foi designada para identificar as gônadas da anatomia masculina, segundo a teoria de muitos estudiosos, em virtude de serem elas observadoras privilegiadas do ato genésico. Ou seja, da virilidade. Seriam elas testemunhas do ato sexual. Saliente-se que em português a primeira palavra é feminina, designando “pessoa que vê e atesta algo”, a segunda é masculina em todos os sentidos.

É quase um mistério que puta seja sinônimo de prostituta. A palavra vem do latim putta, que significa menina. Em Portugal até hoje esta atribuição é parcialmente mantida, uma vez que putinhos são crianças pequenas. Lá como aqui no Brasil, no entanto, ao ser usada no feminino ela passa a ter essa acepção agressiva e totalmente desonrosa, considerados o preconceito e a hipocrisia da sociedade. E vejam que o verbo putare, que vem da mesma raiz putus, aponta para algo oposto: puro ou limpo. Derivam dessa mesma origem reputação, computar e até mesmo deputado – apesar que muitos destes nada tenham de limpo, na acepção de pureza. Agora, no espanhol, no italiano e até no francês a puta também tem o sentido sexual, como sendo uma mulher promíscua, “da vida”.

Esses poucos exemplos dados aqui, no texto de hoje, demonstram que é tênue a linha entre expressões comuns e outras que podem ser vistas como vulgares. Muitas vezes a diferença está muito mais em que contexto elas são aplicadas. Há xingamentos e “palavrões” não criados com esta intenção, mas decorrentes de sua apropriação para tanto. Se pode inclusive acreditar que a maioria deles nasceu de outros apenas utilitários e com certeza inofensivos. E a linguagem é algo que está sempre em evolução, com a criação constante de gírias e novos termos enquanto outros caem em desuso. Resumindo, para que algo passe a ser considerado obsceno há um processo social complexo, que vai além do que seja linguístico, em geral incluindo tabus.

06.06.2025

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