CRESCE O PERIGO PENTECOSTAL

Desde 1872 são realizados censos demográficos no Brasil, num total de 13 ocorridos até agora, os últimos nove – de 1940 aos dias atuais – sob a responsabilidade do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O primeiro deles ocorreu ainda na época do Império e o último em 2022. Em geral eles são produzidos com periodicidade decenal, mas alguns acabaram sendo adiados ou realizados com atraso, por diversos motivos. Como o mais recente, que deveria ter sido em 2020 e a epidemia que enfrentamos com a Covid-19, além do corte orçamentário promovido pelo governo Bolsonaro, não permitiram.

Os questionários também foram sendo aprimorados, ampliando a gama de informações coletadas e auxiliando, com isso, no estabelecimento de um perfil mais completo sobre a população e suas condições de vida. Assim, se tem conhecimento melhor para, por exemplo, o planejamento de políticas públicas mais adequadas. Ou seja, não se fica sabendo apenas quantas pessoas moram em cada determinado território. São também verificadas as faixas etárias, a proporção entre gêneros e etnias, suas condições econômicas e mesmo as religiões que professam, entre outras questões.

Quando nos debruçamos sobre esse último item que citei, há algo que salta aos olhos e que deveria estar preocupando quem tem um mínimo de sensatez: o crescimento absurdo que tem acontecido no número de seguidores de segmentos não apenas conservadores, mas retrógrados. Me refiro aos evangélicos pentecostais, que têm plano de poder e estão adquirindo condições de não apenas influenciar como decidir pautas de comportamento extremista.

Se compararmos apenas os dois maiores grupos cristãos, de uma forma simplificada, podemos colocar de um lado os católicos e do outro as correntes evangélicas. Ao se fazer isso, apanhando apenas os últimos três censos, vemos que os primeiros no ano 2000 representavam 74,1% da população, enquanto os outros somavam 15,1%. Passados 22 anos, os católicos caíram para 56,7% dos adeptos e os evangélicos subiram para 26,9%. Esse salto se deveu ao crescimento significativo da parcela pentecostal, não tendo ocorrido o mesmo entre os luteranos, anglicanos e episcopais, além de metodistas, presbiterianos e adventistas. Para essas outras versões do cristianismo, as variações foram menores, pelo que facilmente se percebe até mesmo olhando os templos que a cada dia se multiplicam nas ruas.

Sobre a sede de poder, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) foi fundadora do partido Republicanos. E o usa para instrumentalizar a política, abertamente. E não apenas essa sigla partidária está repleta de pastores, bispos e o escambau. Somando-se os eleitos por outras, o Congresso Nacional já tem 105 deputados federais e 15 senadores que são evangélicos. Evidente que não é proibido – e nem poderia ser – que parlamentares professem esta fé. O que acontece, sendo algo muito grave, é que foram eleitos apenas porque a têm, de forma planejada, com um propósito. E isso não é de hoje: está acontecendo silenciosa e permanentemente há anos. Ainda em 2003, mais de duas décadas atrás, foi criada, no início de modo informal, a Frente Parlamentar Evangélica (FPE). Em 9 de novembro de 2015, com mais peso e sem a necessidade de permanecer discreta, ela foi regularizada junto à Mesa Diretora da casa, tornando-se praticamente um partido paralelo.

Não por acaso têm proliferado projetos de lei defendendo coisas como a proibição de educação sexual nas escolas, mesmo com a comprovação de que essa iniciativa contribui para a redução das doenças sexualmente transmissíveis e gravidez na adolescência. Também buscam, de forma incansável, que não sejam reconhecidas outras identidades de gênero; que deixe de ser crime a homofobia; um Estatuto da Família que não leve em consideração nada além da “família tradicional”; mais isenções fiscais e perdão de dívidas para seus templos; e a inacreditável criação do Intervalo Bíblico, que está em andamento e prevê que todas as escolas públicas tenham um horário para leitura da Bíblia (*), o que não considera nem respeita a pluralidade religiosa. Falo aqui apenas sobre pautas de costumes – e do uso integral da grana do dízimo –, com os riscos indo muito além disso.

A cereja do bolo está na proibição do aborto – cantilena usada de modo estratégico, para atrair católicos e espíritas –, mesmo nos casos em que a legislação prevê e garante, como interromper gravidez decorrente de estupro. Quem não se lembra da vergonhosa tentativa da então Ministra da Mulher, Damares Alves, de obrigar uma criança de dez anos a ter outra? Isso no Executivo. Em termos de Judiciário, o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro tratou de indicar um membro para o Supremo Tribunal Federal (STF) que fosse “terrivelmente evangélico”. Foi assim que chegou André Mendonça, em 2021. E em junho do ano passado ele passou a integrar o Tribunal Superior Eleitoral, sucedendo o ministro Alexandre de Moraes.

Com a participação dos evangélicos tendo triplicado nos últimos 30 anos, projeções feitas pela BBC sugerem que eles serão maioria absoluta até 2032. Será o momento a partir do qual quem está de braços cruzados e com a cabeça num buraco, feito avestruz, a retire dele para ver que as burcas das brasileiras serão os cabelos abaixo da cintura e as saias longas. E que a Bíblia pode sofrer as mesmas leituras e interpretações equivocadas que muitos fazem do Alcorão. Os passos seguintes serão o Estado deixar de ser laico e decretação da religião única. A perseguição contra pessoas que professam religiões de matriz africana já ocorre de uma forma aberta, com centenas de invasões aos seus locais sagrados tendo sido verificadas nos últimos anos. Os mesmos grupos raivosos quebraram imagens de Nossa Senhora. Deem uma chance e irão queimar os livros de Kardec.

Voltando aos dados do Censo Demográfico, um bem interessante é a redução da comunidade oficialmente espírita. Em 2010 ela representava 2,1% da população e em 2022 ficou apenas com 1,8%. Um espírita conhecido meu argumentou em um grupo de WhatsApp que isso se deve ao fato de muitos frequentadores das casas espíritas fazerem isso sem que se declarem da religião, mantendo a “tradição” de se dizer católico, por exemplo. O argumento pode até ter uma certa lógica, mas parece cair por terra quando se vê o comparativo do desempenho da umbanda e do candomblé, as duas religiões de matriz africana mais conhecidas no Brasil. Estas subiram de 0,3% para 1,1% no mesmo hiato de tempo. Ou seja, o caso espírita não deve se tratar de um preconceito disfarçado, de uma negação proposital, porque nos terreiros também há pessoas que vão participar das cerimônias sem admitir que são adeptas. Talvez isso resida no conservadorismo, que é muito evidente em parcela significativa dos kardecistas e hoje afugenta muita gente. Enquanto o movimento espírita parece estar se fechando, as outras duas se mostram mais abertas ao entendimento das mudanças que ocorrem na sociedade.

Para concluir, uma pequena observação sobre duas palavras que são homófonas. Ou seja, que possuem a mesma pronúncia. O censo, tema de largada para o texto de hoje, refere recenseamento, levantamento estatístico. Senso é a capacidade de se entender e julgar situações. Uma característica de quem é sensato. E cai como uma luva em termos de proposta ao final deste mesmo escrito. Ou se fica atento agora para entender o que está acontecendo, tendo bom senso e pensando no que pode ainda ser feito, ou depois será tarde demais.

11.06.2025

(*) Pentecostais enchem a boca ao se dizerem cristãos, mas ignoram os quatro Evangelhos – a palavra significa “boa nova” – que narram a vida de Cristo e foram escritos por Mateus, Marcos, Lucas e João. Preferem seguir cegamente o que está no Velho Testamento, que é composto por escrituras sagradas para o judaísmo.

O censo demográfico tem importância enorme para o estabelecimento de políticas públicas

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O bônus de hoje é o áudio da música Bom Senso, com Tim Maia. Essa canção foi feita em um período no qual o cantor, no auge da fama, aderiu a um culto religioso que, entre outras coisas, era obcecado por OVNIs. No entanto, nem ele nem qualquer outro seguidor do mesmo grupo chegou a usar aparelhos celulares sobre a cabeça, pedindo que extraterrestres viessem se imiscuir no resultado de uma eleição presidencial.