A CURTA E MISTERIOSA VIDA DA BRAZ GLOBAL

Uma série de postagens que foram vistas ao longo do mês de abril, que apontavam para uma suposta captação de algo em torno de R$ 600 milhões, via Lei Rouanet, por empresa da qual Eduardo Bolsonaro era um dos sócios, não corresponde de modo algum à realidade. Ao menos isso é o que garantem alguns dos sites de checagem de fatos aos quais recorri. Entretanto, existe muita fumaça apontando para a possibilidade da existência de fogo. E, apesar de ele ser de outra ordem, é evidente que o assunto merece atenção e investigação cuidadosa.

A tal Braz Global Holding existiu realmente e com três sócios, sendo que um deles era mesmo Eduardo Bolsonaro, o terceiro dos quatro filhos homens do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro. Ela estava registrada no Texas (EUA), sendo os demais proprietários André Porciúncula Esteves e Paulo Generoso. O primeiro trata-se de um ex-policial baiano que chegou a ocupar um cargo público durante o governo do agora inelegível; enquanto o segundo foi um dos fundadores do Movimento República de Curitiba, criado em 2016 para apoiar ações da Operação Lava Jato. O endereço informado na sua constituição fica na cidade de Arlington, no Condado de Tarrant, entre Dallas e Fort Worth, onde agora reside o “Filho 03”. A localidade tinha cerca de 400 mil habitantes no ano de 2020, quando foi feito o último censo nacional.

Porciúncula trabalhou por vários meses na Secretaria de Fomento e Incentivos da Cultura. Era ele que administrava, entre outras coisas, justo os recursos da Lei Rouanet. Braço direito do então ministro Mário Frias, adorou o apelido que recebeu do chefe: Capitão Cultura. Tanto que se prestou a posar para uma foto ao melhor estilo do super-herói Capitão América, da Marvel, com uniforme nas cores da bandeira brasileira. Entre outras polêmicas, prometeu destinar R$ 1,2 bilhão para a produção de audiovisuais cujo conteúdo fosse pró-armas. O projeto de um livro sobre esse assunto chegou a ser aprovado, oferecendo volumes da publicação e palestras para adolescentes, em escolas públicas, para abordar o tema e incentivar aquisição e uso de armas. Algo inacreditável e que só não prosperou por ter sido vetado por Lula, após as eleições.

Integrante da Polícia Militar da Bahia desde 2005, Porciúncula é filiado ao Partido Liberal (PL) e concorreu sem sucesso a vereador. Quando no governo federal, se tornou conhecido pelo seu hábito de fazer com que os assessores checassem todos os dias a existência de microfones escondidos na sua sala. Maníaco obsessivo, pelo medo de ser gravado também costumava tocar cantos gregorianos no gabinete, como forma de “atrapalhar escutas”, em toda e qualquer audiência. Relativamente ativo nas redes sociais, postava referências conservadoras e citações bíblicas. Nelas também colocava suas convicções políticas, defendia a família tradicional e ainda demonstrava uma preocupação excessiva com o que considerava ser uma “narrativa construída contra a masculinidade”, o que apontava uma certa insegurança sua.

Generoso está abrigado no amplo guarda-chuva que se tornou a palavra empresário. Na maior parte do tempo, entretanto, se identifica como um “influenciador”, algo muito mais na moda. Com 1,2 milhão de seguidores, página sua no Facebook foi uma das apontadas como responsáveis por espalhar notícias falsas sobre a Covid-19 e as urnas eletrônicas, além de apoiar os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 – ele era uma figurinha carimbada em acampamentos que os golpistas fizeram na frente de quartéis. Uma conta no X, antigo Twitter, está suspensa por ordem da Justiça, pelos mesmos motivos. E Eduardo, não há quem não saiba, é um deputado federal que foi eleito pelo Estado de São Paulo, que se encontra licenciado e fixou residência lá mesmo, nas terras do Tio Sam.

A Braz Global foi fundada pelos três em 18 de março de 2023. O que não se sabe com que objetivo, uma vez que isso não consta nos documentos constitutivos da empresa. Pouco antes disso, André Porciúncula Esteves e Paulo Generoso registraram outras duas empresas, usando o mesmo endereço desta terceira. Em 13 de janeiro a Liber Group Brasil e em 8 de fevereiro o Instituto Liberdade. Nelas não está junto Eduardo Bolsonaro, mas uma outra pessoa aparece em seu lugar: Raquel Brugnera.

Essa é uma jornalista que, além de escrever a favor de Jair Bolsonaro em redes sociais, também foi responsável por uma notícia plantada no Jornal da Cidade Online, em março de 2019. Naquela ocasião, segundo relato de O Globo, ela disse que o PSOL teria perdido o interesse na resolução do assassinato de Marielle Franco, uma vez que os executores estariam ligados a traficantes de drogas. Como “prêmio”, acabou sendo nomeada assessora técnica da presidência da Fundação Palmares, que tinha à frente Sérgio Camargo, um negro que odeia negros.

Sobre o Caso Marielle, cabe aqui ainda um parêntesis: a Delegacia de Homicídios (DH) da cidade do Rio de Janeiro, assim como o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ) indicaram que os executores trabalhavam para grupo de matadores por encomenda, que prestava inclusive serviços para políticos. Depois eles foram presos e mais tarde também os mandantes. A rigor falta apenas apontar quem mandou os mandantes mandarem, algo que vai além de um jogo de palavras e, com certeza, ainda irá reescrever essa página da sombria história da política carioca dos últimos tempos.

Voltando ao tema central, ainda em 2023 a Braz Global recebeu atenção especial da Agência Pública e também do Centro Latino-americano de Investigação Jornalística (Clip), uma vez que surgiu “por coincidência” na mesma época na qual o ex-presidente Jair Bolsonaro esteve proferindo palestras durante “estadia” naquele país, após a derrota eleitoral. Ele também participou de outros eventos promovidos pela extrema-direita. Com visto de turista, legalmente ele não poderia ter sido remunerado por isso. Entretanto, eram cobrados valores elevados para o ingresso dos interessados.

Segundo informações obtidas de documentos públicos do Condado de Tarrant pela TV Forum, a única transação financeira registrada pela Braz Global Holding no período em que esteve ativa foi um empréstimo de pouco mais de R$ 800 mil para outra empresa: a Venture Expannsion, que tem como membro administrador Roderick Venture. Isso foi em julho de 2023 e a Braz terminou sendo voluntariamente extinta cerca de um mês depois de ter recebido o pagamento, em março de 2024. Leio e escrevo sobre isso e me parece estar ouvindo Cid Moreira, quando lhe cabia apresentar o quadro de Mister M (*), no Fantástico: Mistéééério. Assim mesmo, pronunciando um É arrastado e com entonação bem marcante.

02.05.2025

(*) Quem ficou conhecido no Brasil como Mister M – em outros países ele teve nomes diferentes – foi Val Valentino, um ilusionista e ator natural dos Estados Unidos que costumava revelar na prática muitos dos truques e segredos da atividade. Isso gerou uma grande reação de mágicos do mundo todo, que se revoltaram contra o fato. Mas, na televisão, a sua popularidade foi enorme.

Paulo Generoso e Eduardo Bolsonaro – Reprodução DCM

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O bônus de hoje é o áudio de uma música composta por Noel Rosa e Francisco Alves em 1933: Onde Está a Honestidade? Esta gravação histórica é com a voz do próprio Noel Rosa.

Noel Rosa – Onde Está a Honestidade?

“Você tem palacete reluzente/ Tem joias e criados à vontade/ Sem ter nenhuma herança ou parente/ Só anda de automóvel na cidade…/ E o povo já pergunta com maldade:/ Onde está a honestidade?/ Onde está a honestidade?

O seu dinheiro nasce de repente/ E embora não se saiba se é verdade/ Você acha nas ruas diariamente/ Anéis, dinheiro e felicidade…/ Vassoura dos salões da sociedade/ Que varre o que encontrar em sua frente/ Promove festivais de caridade/ Em nome de qualquer defunto ausente”