A SAUDADE POSTA NA MESA

Jacob do Bandolim era pai de Sérgio Bittencourt. O primeiro foi um grande instrumentista – não por acaso ganhou o apelido – que, inclusive, teve a capacidade de modernizar o choro, introduzindo nas execuções dois nada usuais no gênero: vibrafone e sanfona. O segundo, um jornalista que ficou conhecido não apenas pelo seu trabalho no rádio e na televisão – chegou a ser jurado nos programas de calouros do apresentador Flávio Cavalcanti, “Um Instante Maestro” e “A Grande Chance” –, como também pelo desempenho redações dos jornais O Fluminense, Correio da Manhã e O Globo. Grande conhecedor de música e compositor, escreveu mais de 50 canções, algumas tendo alcançado enorme sucesso. Ou seja, pai e filho eram ambos muito talentosos. Entretanto, a relação entre eles passava longe de ser boa. Ao contrário, era conturbada.

Os temperamentos de ambos eram difíceis. Os dois eram polêmicos, de tal forma que era facílimo encontrar quem os amasse ou odiasse. Como Sérgio nasceu hemofílico e tinha problemas com seus dentes, muitos atribuíam às questões de saúde o seu eventual mau humor. No ápice da dificuldade de convívio, quando um ia almoçar ou jantar o outro se ausentava, ficando num dos quartos da casa onde moravam. Foi a forma como estabelecer uma espécie de política de boa convivência, se evitando.

Algo que era incontestável, mesmo que não verbalizado, era a profunda admiração mútua, prejudicada pela intransigência de parte a parte. Para seus amigos, por exemplo, Sérgio revelava que o pai era seu maior ídolo. E, provavelmente, Jacob tinha orgulho das aptidões do filho, que seguia os seus passos enquanto músico e compositor. Só que o climão não teve fim até quando morreu o pai. Eles não se falavam.

Algum tempo depois da perda de Jacob, Sérgio saiu com um amigo para a noite de Copacabana. Continuava sem tocar no assunto da suposta incompatibilidade. Depois de beberem um pouco, voltaram para as suas casas. Logo ao chegar na sua, Paulo Roberto de Oliveira – que também se tornou seu sócio em alguns empreendimentos – se deparou com o telefone tocando. Ao atender, ouviu o trecho de uma letra que fora feita em cerca de 30 minutos, no trajeto de Sérgio até o Leblon. Era a obra-prima “Naquela Mesa”.

A letra é uma profunda e sensível descrição da falta que nos faz alguém que se ama e vai embora. Uma exaltação ao sentimento de saudade, com o acréscimo de uma quase reverência. E se tornou um dos maiores sucessos na carreira de Sérgio. Ele, que se notabilizou também através de “Canção de Não Cantar”, que foi classificada em quarto lugar no II Festival de Música Popular Brasileira, em São Paulo, no ano de 1966, defendida com o conjunto vocal MPB-4. Com “Modinha”, interpretada por Taiguara, venceu o festival O Brasil Canta no Rio, em 1968. São dois exemplos entre tantos outros, todos de excelente qualidade técnica e bom gosto.

“Naquela Mesa” foi gravada em 1972 por Elizeth Cardoso, que era muito amiga do seu pai e dele próprio. Pouco antes, em 1970, a ditadura militar censurou a sua “Acorda, Alice”, por razões óbvias. A letra dizia, em determinado trecho, “o país das maravilhas acabou”. Canções suas também são encontradas nas vozes de Wilson Simonal, Maria Creuza, Antônio Marcos, Ângela Maria, Nelson Gonçalves, Martinha, Moacyr Franco e muitos mais.  

Jacob Pick Bittencourt, o Jacob do Bandolim, faleceu nos braços de sua esposa Adylia em 13 de agosto de 1969, com 51 anos de idade, vitimado por um infarto. Voltava da casa de Pixinguinha, onde tinha ido conversar sobre um novo disco. Aliás, o mesmo mal também matou Sérgio Freitas Bittencourt, em 9 de julho de 1979, com apenas 38 anos de idade. Mas, ambos estão eternizados pelo seu talento.

08.04.2025

Os amigos Sergio Bittencourt e Elizeth Cardoso. Foto: acervo MIS

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O bônus de hoje é duplo. Começa com o áudio de Naquela Mesa, nas vozes de Sérgio Bittencourt e Elizeth Cardoso. Aviso que há pequeno delay (atraso) na gravação, que demora alguns segundos para começar a ser ouvida. O áudio seguinte é Modinha, com Taiguara.

“Naquela Mesa”, com Elizeth Cardoso e Sergio Bittencourt
“Modinha”, com Taiguara