O REI DOS LADRÕES
Ele nasceu em Pisa, na Itália. E sua inclinação, desde criança, foi para a realização de pequenos furtos. Precisava deles, uma vez que era a única forma encontrada para sobreviver. Seu enorme nome de batismo era Amleto Giotto Sabindo Forestal Menichetti, tendo ele vindo ao mundo em julho de 1878. Depois que veio morar no Brasil, fugido da justiça italiana, se tornou Gino Amleto Meneghetti. Por lá, depois de apanhar frutas, pães e roupas, se aprimorara em roubar joias e relógios, por volta dos seus 14 anos. E justificava isso dizendo que contribuía para acabar com “a fonte da vaidade dos ricos”.
Quando em São Paulo, onde chegou adulto, ficou conhecido pela sua performance, que era quase artística. Costumava, estando em fuga, se aventurar pelos telhados das casas ou encontrando frestas improváveis para se esconder. Outras tantas vezes, realizou fugas consideradas impossíveis, usando tamanha agilidade que ninguém sabia de onde vinha. Elegantíssimo, andava com terno sempre impecável e de chapéu. Outro hábito seu era deixar cartão de visita nas cenas dos seus crimes, para tornar do conhecimento de todos que aquela era mais uma expropriação feita por ele. Ou seja, fazia questão de assumir o que estava fazendo.
Meneghetti detestava violência, jamais tendo agredido quaisquer de suas vítimas. E, como agia sempre contra a elite, terminou por ganhar certa simpatia da população. Gino, como se tornou conhecido, tinha inclusive um código de ética pessoal: trabalhava sozinho e não roubava nada de operários e pessoas pobres. Costumava inclusive citar muito o filósofo, político e economista francês Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) – este foi membro do Parlamento da França e um dos primeiros ideólogos anarquistas da história –, que afirmara que “toda a propriedade é um roubo”. Assim, seu foco era sempre mansões, casas de câmbio e as joalherias mais ricas.
Tendo, como relatei antes, conseguido escapar várias vezes da prisão, talvez uma das mais mirabolantes foi a primeira das fugas. Depois de tentar escavar um túnel junto com seu companheiro de cela, por longo tempo, o fato foi descoberto e ele colocado na solitária, que era apenas um poço estreito e fundo, com grades da parte superior. Naquela mesma madrugada, apoiando costas e pernas nas paredes, subiu lentamente até o alto e conseguiu arrancar algumas barras de ferro. Depois, ele cruzou o pátio da prisão sem ser notado, alcançou a rua e pulou de cima de uma ponte próxima, no Rio Tamanduateí, que nasce em Mauá, cruza Santo André e São Caetano do Sul, até desaguar no Tietê. Depois de nadar até a margem oposta, fez o que costumava fazer: pulando telhados, para evitar ser visto nas ruas, chegou à casa de um tio onde conseguiu roupas novas e tomou dose de cachaça para enfrentar o frio. Deram pela falta dele apenas no dia seguinte. E Gino seguiu sua carreira tranquilamente.
Agora, o mais audacioso dos seus atos foi comparecer a uma entrevista coletiva dada pelo então chefe de polícia, Roberto Moreira. De bigode raspado e roupas diferentes das suas habituais, chegou a sentar próximo do delegado, que relatava para a imprensa os esforços que faziam para ele ser preso. Na saída, desmoralizando de vez os seus perseguidores, colocou na mão de um dos jornalistas um bilhete se identificando e questionando as forças policiais: “Se são capazes, por que não me prenderam agora?”
Mas, isso lhe custou muito caro. A polícia passou a caçá-lo com muito mais determinação. Montaram campana por semanas a fio na frente da casa de sua esposa, Concetta. Quando ele chegou no endereço, para uma visita, lhe deram voz de prisão. Cerca de 200 agentes cercaram o local por um dia inteiro, o que não impediu uma tentativa de fuga, como sempre, pelos telhados. Chegou a cair de um toldo sobre a mesa de jantar de uma família, que ficou atônita. Encurralado, se entregou. E recebeu então da polícia tratamento que nunca dera a quem roubava: apanhou até ficar desfigurado, na rua mesmo, diante de testemunhas.
Na delegacia, sofreu tortura para admitir crimes que jamais cometera. Entre eles, assassinatos. Lançado em cela sem comunicação ou luz do sol, ficou nela por vários anos. Depois de algum tempo passava horas gritando “Io sono un uomo” (Eu sou um homem), talvez para tentar se convencer de que não se transformara em um dos insetos que sempre lhe faziam companhia.
Saiu da prisão em 1944 e foi morar em algumas cidades pequenas no Sul do país, onde voltou a praticar roubos. Voltando para São Paulo, fez uma rara tentativa de conseguir emprego regular. Não deu certo, pois com ele não conseguia pagar sequer os bons restaurantes que tinha o desejo de frequentar. Outra vez preso, chegou a ser exposto com seus pés, punhos e pescoço atados em tronco, como os antigos escravos negros. Na última vez que o detiveram, em 1970, tinha 92 anos. Tentava, durante o jogo Brasil 4×2 Peru, na Copa do Mundo do México, com seu antigo parceiro apelidado de Pé de Cabra, arrombar um palacete na Fradique Coutinho. Foi o fim da sua carreira.
O italiano que recebera da imprensa paulistana alcunhas como Homem dos Pés de Mola, Robin Hood do Asfalto, Bom Ladrão, Gato de Telhado e, o melhor de todos, Rei dos Ladrões, morreu em 1976, sozinho e pobre.
28.03.2025

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Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmenteO bônus de hoje é uma música tema: Robin Hood, Prince of Thieves (Robin Hood, Príncipe dos Ladrões). A composição é de Michael Kamen e os arranjos de Erick Debs.