NÃO É SÓ CAFÉ QUE TEM NA SUA XÍCARA

O Brasil é o maior produtor mundial de café e quem mais exporta este produto. A expectativa da produção agora em 2024 girava em torno de 66,3 milhões de sacas – cada saca tem 60kg –, superando em 4% o que se conseguiu no ano anterior. E nada menos do que 90% dos grãos colhidos por aqui são vendidos para o exterior. Como esses compradores pagam muito bem, exigem o que de melhor temos. E, como o agronegócio POP sempre atende os interesses que resultem para si uma renda crescente, os 10% restantes, destinados para o consumo interno, é composto pelo restolho, as sobras, o que de pior se retira das lavouras.

Mas, o que foi feito para que os brasileiros não se dessem conta disso, ao longo do tempo – já que essa prática não é de hoje –, não reclamando da gritante falta de qualidade? Primeiro: vendendo a falsa ideia de que o melhor café é o “forte” ou ainda o “extraforte”, torrado a fundo. Com esse processo, associado ao estigma plantado de que café bom é o amargo, conseguem mascarar suas imperfeições como também as impurezas em excesso. Então, esta é a primeira ilusão que nos foi vendida: o café não está sendo torrado e sim queimado.

Segundo: conseguindo, através de lobby, que a legislação brasileira fosse conivente e permissiva ao extremo. Se vocês forem dar uma olhadinha no site da Anvisa talvez se surpreendam com o percentual elevado de impurezas que a lei permite sejam empacotadas com os grãos ou o pó que se adquire no varejo. Falam em cascas de madeira, areia e até mesmo em fragmentos de insetos e pelos de ratos. Aliás, se faz necessário dizer que essa enorme licenciosidade não ocorre apenas com o café, mas também com dezenas de outros produtos que se consome todos os dias.

Bastou que fosse feita uma fiscalização levemente mais rigorosa, que se preocupasse com suas obrigações e não fizesse vistas grossas para que a boiada passasse, que começaram a acontecer mudanças, mesmo que pequenas e ainda insuficientes. Em 28 de junho deste ano, por exemplo, o Ministério da Agricultura e Pecuária, através do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal, da Secretaria de Defesa Agropecuária, divulgou uma lista com 14 marcas de café torrado que seriam retiradas das prateleiras dos supermercados. Isso porque elas exageraram no seu sistemático “descuido”, sendo consideradas impróprias para o consumo humano. Ou seja, ofereciam risco à saúde dos consumidores. Uma delas se superou, tendo 1,83% de cascas e paus, 7,9% de milho e 0,29% de areia, pedras e torrões. Isso vai além de 10% do conteúdo do pacote.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária tem um conjunto de leis e de normas, a RDC-14, que determina o quanto de impureza pode vir a ser tolerada. Agora pasmem: no café torrado ela aceita a existência de 60 fragmentos microscópicos, que incluem insetos, para cada 25 gramas de pó; 1% do peso total em cascas e paus; mais 1,5% de areia. Este mesmo conjunto normativo abrange outros produtos, como massa de tomate, especiarias e chás, com todos eles podendo ter essas impurezas. O que muda é a quantidade, percentualmente falando. E ela cita coisas como excrementos de animais, fungos e vestígios de corpos de roedores.

O brasileiro toma muito café. Estima-se que o consumo médio atinja 3,8 xícaras por pessoa ao dia no país todo, mesmo não sendo homogêneo este índice entre os diferentes Estados. Embora sempre nos tenha parecido que paulistas bebem mais, eles estão em segundo, com 4,4 xícaras per capita/dia. O grande campeão é o Mato Grosso, com 7,1. Na terceira colocação há um empate entre Santa Catarina e Espírito Santo, com 4,3. De qualquer forma, todos eles contribuem significativamente, nos colocando em segundo lugar entre os maiores consumidores do planeta.

Especialistas afirmam que aquilo que encontramos nas gôndolas dos supermercados brasileiros não consegue nos propiciar mais do que 35% do aroma e paladar que têm os cafés de real qualidade. Por isso, é urgente que se aprenda a exigir melhoria e se aprenda a tomar café. Não se pode mais aceitar que os cafeicultores e a indústria nos ofereçam apenas os grãos rejeitados, que eles sejam praticamente cremados na torrefação, que a moagem seja propositalmente fina para mascarar impurezas e que, mesmo assim, seu preço seja muitas vezes abusivo. Uma das formas de pressão é reduzir o consumo. Outra é adquirir café importado ou os que têm origem garantida e certificada, de comércio especializado. Sendo mais procurados, estes tenderão a oferecer alternativas mais acessíveis em termos de valor.

04.11.2024

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O bônus de hoje é Café, da banda Sobrado 112. A música é uma das faixas do seu álbum Isso Nunca Me Aconteceu Hoje. O grupo é formado por paulistas que se mudaram para o bairro da Glória, no Rio de Janeiro, onde passaram a promover reuniões regadas a ritmos musicais diferentes. Café, por exemplo, é do gênero skapolca, uma fusão do ska jamaicano dos anos 50 que combinava elementos caribenhos como o calipso, aliado ao jazz; com polca, de compasso binário e originada na Boêmia