O INFERNO ESTÁ EM FESTA
Um novo habitante chegou às profundezas. O fato se deu no dia 11 de setembro, mas apenas agora se tomou conhecimento dele. David dos Santos Araújo, delegado da Polícia Civil do Estado de São Paulo, faleceu de causas naturais, aos 86 anos. E ele deve ter ido direto abraçar alguns dos seus antigos companheiros, talvez sendo especialmente recebido por Carlos Alberto Brilhante Ustra, do qual era subordinado direto. Este foi seu parceiro e inspirador no “trabalho” de torturar pessoas, no período da ditadura militar.
Conhecido como “Capitão Lisboa” nas dependências do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operação de Defesa Interna, o famigerado DOI-Codi, David foi um dos mais violentos e sádicos entre todos os torturadores que atuavam nos porões. Sentia enorme prazer ao fazer com que os prisioneiros sentissem dor. Também praticava estupros e foi responsável direto por algumas execuções, além de ter atuado em inúmeros “desaparecimentos forçados”.
O relatório da Comissão Nacional da Verdade registra que foi ele que matou, por exemplo, Aylton Adalberto Mortati e Joaquim Alencar de Seixas. O filho deste último, Ivan Seixas, que na época tinha apenas 16 anos, também foi duramente torturado, assim como outros três membros da família. Em 2010 David foi processado pelo Ministério Público Federal (MPF) por esses atos violentos. A condenação veio três anos depois, mas se limitou a um pagamento de multa por ele e outros dois colegas também delegados aposentados: Aparecido Laertes Calandra e Dirceu Gravina – este falecido em agosto de 2023 e provavelmente também integrando a comissão de boas-vindas à nova alma adquirida por Demo. Segundo decidiu a justiça, resultou provado que o trio “causou grande dano à sociedade e foi responsável pela tortura e morte de 25 pessoas”.
No DOI-Codi o pessoal era especializado em diversos tipos de tortura, tanto física quanto psicológica. A que se tornou mais conhecida foi a chamada de pau-de-arara. Usavam uma barra de ferro atravessada entre os punhos amarrados e a dobra dos joelhos da vítima. Depois, o conjunto era colocado entre duas mesas, por exemplo, com o corpo torturado se mantendo longe do solo. Essa, no entanto, estava longe de ser a mais cruel. Algumas vezes arrancavam as unhas das mãos, usando alicates. Outra terrível era quando colocavam um fio de cobre na uretra dos presos e acendiam um isqueiro na extremidade que ficava fora, deixando tudo incandescente. E praticavam afogamentos, palmatórias e espancamentos. Isso além da “pimentinha”, talvez a pior de todas. Nela eram desferidos choques elétricos na cabeça, membros superiores e inferiores, com a cereja do bolo ficando para os órgãos genitais. Isso causava queimaduras e convulsões, com a pessoa muitas vezes mordendo sua própria língua, chegando a arrancar pedaços. Para a quebra de toda e qualquer resistência psicológica, não deixavam dormir quem estivesse sendo “interrogado”, usando música alta e luzes fortes. Também estupravam pessoas da família do preso na frente dele, ou deixavam que ouvisse os gritos desesperados de outros também submetidos às sevícias.
Depois que completou seu período como policial civil, David se tornou proprietário de uma empresa de segurança privada, que existe até hoje, em São Paulo: a Dacala. Em 2012 ela foi alvo de um “escracho” organizado pelo grupo Levante Popular da Juventude. Os manifestantes expressaram repúdio aos crimes do seu dono, como também devido a fraudes nas quais ela estava envolvida. Os advogados que defenderam Brilhante Ustra também foram pagos por essa empresa, sem que eles evitassem que seu cliente se tornasse o primeiro militar condenado pela Justiça pela prática de tortura, em 2008.
Quem primeiro informou o falecimento de David foi o jornalista Fausto Macedo, do jornal O Estado de São Paulo. Depois o fato foi confirmado e colocado por Moacyr Oliveira Filho no portal da Associação Brasileira de Imprensa, a ABI. Para as famílias daqueles que foram torturados, mortos ou permanecem desaparecidos, a notícia não foi um alívio. Afinal, ele se foi sem pagar (aqui) pelos crimes cometidos.
22.09.2024

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