HOMENS E ABELHAS
A história é mais ou menos assim: as abelhas desde sempre produzem mel e fazem isso retirando néctar de flores e transformando essa matéria prima em um alimento doce e saboroso, que lhes garante a subsistência. Os homens não ensinaram as abelhas a fazer mel e também não têm condições de aprender com elas como fazê-lo. Mas, provaram o produto e se encantaram com suas propriedades. Deste modo, deram um jeito de fazer com que os insetos fornecessem o mel para eles, controlando as suas colmeias.
A produção deixou de ser feita nos ocos de árvores e outros pontos que a natureza oferece. Adaptaram os hábitos das abelhas, que começaram a fazer os favos dentro de caixas que eram “cedidas generosamente” para elas. A questão é que não poderiam estes humanos, que agora conhecemos como apicultores, retirar toda a produção. Se fizessem isso, os insetos todos morreriam de fome e somente uma “safra” teria sido aproveitada. Então, pegam tudo o que podem, menos o mínimo necessário para que elas continuem vivas e produtivas. Virou uma espécie de trabalho escravo.
No começo da nossa história, os homens também buscavam assegurar diretamente o que precisavam para sua sobrevivência pessoal e do pequeno grupo ao qual pertenciam, fosse ele família ou algo um pouco mais numeroso. A caça era abatida e dividida entre todos. O mesmo era feito com o que coletavam, como as frutas. Quando deixaram de ser nômades, agiam de modo igual com aquilo que conseguiam tirar do solo, com a agricultura. Em um e outro destes casos, o excedente, quando havia, era guardado para o consumo futuro, nos momentos de escassez.
Foi assim até que um dia alguém se deu conta de que era possível tirar vantagem destes estoques, negociando com quem tinha menos ou nada. Daí para perceber que quanto mais produto tivesse, maior seria esse seu poder, foi um pulo. Então, se tornou interessante retirar da natureza mais do que o necessário para consumo imediato ou em curto espaço de tempo. Assim, os “proprietários” dessa ideia trataram de convencer os outros para que se dedicassem a trabalhar mais e mais, visando o acúmulo.
Essa é uma maneira simplista de explicar tudo o que de fato aconteceu. Estou pulando, por exemplo, as etapas nas quais a produção de outros bens seguiu esse mesmo caminho que a de alimentos. Assim como o período no qual o trabalho deixou de ser ensinado de mestres para aprendizes, abandonou as oficinas e chegou às fábricas. Nestas, quem tinha o espaço e o maquinário passou a manter os trabalhadores de modo semelhante ao que se fez com as abelhas. Toda a produção ficava com quem controlava, menos o mínimo necessário para que a força do trabalho fosse reabilitada e mantida. O trabalhador daquela época, tanto quanto o atual, não pode morrer – se bem que, caso isso ocorra, não é muito difícil a sua substituição.
O salário é o mel que ficou nos favos não removidos. Claro que com um tanto a mais de sofisticação. Por exemplo, quando cresce a pressão por uma fatia maior do que aquela que lhes é alcançada, acrescem “benefícios” que, na verdade, são pagos indiretamente pelo próprio trabalhador. Vem cesta básica, alguns convênios, vale transporte e outros que tais. Anos atrás os patrões foram forçados a “bondades” ainda maiores, como a jornada de trabalho diária ter um número máximo de horas, ocorrer o descanso semanal remunerado, ser pago o 13º e existirem férias. Quando a estabilidade no emprego incomodava, ofereceram em troca o FGTS – aquele valor que, diante de situações extremas, como as crises ambientais recentes, até deixam que seja sacado, para que o trabalhador financie ele próprio a reconstrução do seu patrimônio precário perdido.
Enfim, o que diferencia – ou aproxima – as abelhas dos trabalhadores é que elas sequer têm consciência ou possibilidade de adquirir uma, enquanto eles não se dão conta de que também possuem ferrões para se defender.
1º.09.2024

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Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmenteO bônus de hoje é a declamação do poema Operário em Construção, de Vinícius de Moraes, na voz de Odete Lara. O carioca Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes (1913-1980) foi um poeta que se notabilizou pelos seus sonetos, cantor, jornalista, compositor, diplomata e dramaturgo brasileiro. Odete Righi Bertoluzzi (1929-2015) – Lara era seu nome artístico – foi uma atriz, escritora e cantora nascida em São Paulo. Abandonou a carreira ao converter-se ao budismo e se autoexilar em um sítio em Nova Friburgo.