Cheguei à conclusão que o proprietário do apartamento que fica logo acima do meu só o aluga para inquilinos que façam barulho. Deve ser uma condição contratual arrastar móveis, caminhar com sapatos de salto e outros que tais. Já moraram uns seis diferentes, ao longo do tempo em que estou aqui. Todos fizeram isso, em geral de madrugada, havendo apenas pequenas variações temáticas na forma do problema acontecer. Nem posso me queixar do atual, que me parece o melhor entre todos. O anterior a ele, por exemplo, tinha o hábito de treinar na sala e no quarto, mesmo o prédio tendo uma ótima academia. E derrubava os halteres com uma tal frequência que tenho curiosidade em saber como ficou o piso.

O pior de tudo é o isolamento pífio que a construtora fez nos banheiros. Os encanamentos não estão dentro da estrutura, mas ocupando espaço no forro do apartamento de baixo. E existe uma espécie de alçapão, que em tese facilita o acesso, caso ele se faça necessário para algum reparo. O problema é que a privacidade se foi por água abaixo, literalmente falando. Na primeira semana em que eu estava aqui, o então morador do andar de cima foi ao banheiro tarde da noite e quando deu descarga eu levantei. Isso porque pensei que alguém havia invadido o meu, apenas para fazer uso do vaso sanitário. Depois me acostumei. Agora isso serve para que a gente tenha noção exata dos hábitos de higiene, uns dos outros. Sei a hora predileta do banho de quem está acima e a vizinha que mora abaixo deve saber a minha. O isolamento das paredes, esse felizmente cumpre com sua função.

Agora, tirando esses percalços – outro é uma inacreditável dificuldade de alguns moradores separarem o seu lixo –, o prédio é excelente. Temos nele um síndico que é um dos melhores com quem já convivi, em quaisquer endereços anteriores. A vizinhança é muito boa e se conta nos dedos aquelas malas que chegaram a morar por aqui. Uso o verbo no passado porque já se mudaram, talvez em virtude de outra cláusula contratual desconhecida. A localização é mais um ponto forte, com um bônus impagável que é ver o pôr do sol com variadas cores e tons, dependendo da época do ano e da umidade do ar.

Não existe nada mais importante, quando não se reside em uma casa e sim num apartamento – se bem que algumas coisas também precisam ser respeitadas nelas, em relação a quem está do outro lado do muro – do que uma política de boa vizinhança. Existem as regras aquelas que são estabelecidas em convenção, outras que vão sendo ajustadas nas assembleias, em comum acordo ou por decisão da maioria, mas também muitas que são tácitas. Acordos silenciosos, informais, sendo igualmente relevantes. A primeira coisa é admitirmos que a coletividade sempre deve prevalecer sobre o individual. Essa simples percepção já resolve a imensa maioria dos atritos potenciais. E, quando mesmo assim eles acontecem, não há melhor saída do que a conciliação.

Saber escutar, ser cordial, cuidar das áreas comuns como se estivessem dentro do seu apartamento, respeitar a privacidade dos outros, evitar que animais domésticos importunem aqueles que se incomodam com isso e dar sempre limites às crianças. Também estar atento à segurança do prédio e aos cuidados com a limpeza nos elevadores, nas entradas e nas garagens. Simplificando, civilidade. Acreditem: pequenas providências que sejam incorporadas aos nossos hábitos diários no prédio afetam e muito a qualidade de vida de todos. E fazem com que ruídos eventuais tenham no máximo a pequena importância que de fato têm.

23.04.2024

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O bônus de hoje é Arnaldo Antunes, com a música A Casa é Sua.