BOCÓ DE MOLA
Meu pai usava muito essa expressão, felizmente não para se referir a mim. Não há trauma algum, portanto, mesmo que em vários momentos na minha infância talvez eu merecesse essa adjetivação. Sei que ele a referia quando alguém fazia uma bobagem, em especial quando a pessoa envolvida não era “réu primário”, sendo aquela apenas mais uma recaída. E em comentário entre nós, sem exposição do outro, que o seu Walter não era de fazer isso. Esse era o “bocó de mola”. Agora, a razão do termo nunca me ocorreu perguntar a ele.
Hoje sei que bocó é o pacóvio, aquele que é lerdo, bobo, tonto, trouxa e bobalhão. Mas, ele não chega a ser um idiota, estúpido e babaca, por ser diferente destes na medida em que tem ingenuidade junto com a sua ignorância. Aliás, esses termos mais fortes são inclusive considerados politicamente incorretos, hoje em dia. O bocó também não é aquele que se chama de burro ou de anta – pobres bichos –, mas se trata do atrapalhado na turma da escola, o que não raras vezes é vítima de bullying. É o mais infantil e que aparenta ser pouco inteligente.
A palavra provavelmente venha da expressão francesa boucaut, que era o nome dado a um saco feito com pele de bode, usado para transporte e armazenamento de líquidos. Por aqui algo semelhante também passou a ser usado, com a diferença que a pele utilizada era de tatu e a palavra foi abrasileirada para bocó. Este não tinha tampa, estando sempre aberto na parte superior. O que, informalmente, contribuiu para que fosse feita uma associação: quem era “bocaberta” passou a ser chamado de bocó. Esse termo, por sua vez, vem da expressão facial que denota não entendimento quanto ao que lhe dizem ou acontece. É ficar com a boca entreaberta, podendo isso ser também pela surpresa ou incredulidade.
Agora, de onde viria a tal mola? A palavra em si identifica objeto ou peça, em geral metálica, que dá impulso ou resistência. Deste modo, parece que está fora de ordem, não tem propósito estar ocupando lugar ao lado do bocó. Saco algum tinha isso. E, se surgiu depois, quando o termo foi usado para os coiós, também não sei como foi associado. Ainda na infância, lembro apenas de alguns poucos brinquedos que faziam uso de molas, sem que nenhum se enquadre. Talvez só os que pulavam de uma caixa, quando aberta. Havia ainda outros que eram montados com cordas, como aqueles burrinhos que ficavam sobre uma estrutura, a gente apertava embaixo e ele se movia. Mais recentemente há aqueles bonecos que ficam agitando os braços, devido ao ar que é soprado em seu interior, em geral na frente de postos de gasolina. Esses têm mesmo cara de bocó, mas sem qualquer mola. E existia aquele que se chamava de “teimosinho”, com um peso na parte inferior: a criança o derrubava e o danado voltava a ficar outra vez em pé.
A verdade é que, mesmo que tivesse me ocorrido perguntar ao meu pai, provavelmente ele não soubesse me explicar. Apesar de que na infância a gente acredite que pai é aquele cara que sabe tudo, isso de fato não é verdade. Só não contem para criança alguma de suas relações, ou isso poderia abalar essa crença, que parece inabalável. Deixem que elas sigam perdendo esta fé aos poucos, sem precipitar nada. Ao natural isso termina acontecendo. Hoje eu sei que ele não sabia tudo. Mas, o que me dói, é saber que a minha filha também há muito já deve ter percebido tal fato a meu respeito. O jeito é enfrentar a situação, sem que se pareça, no final das contas, um bocó de mola.
06.04.2024

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