O BAIRRO DA PROSTITUIÇÃO
Durante o período da ditadura militar em nosso país, um daqueles gênios da estratégia resolveu propor que se tivesse, na cidade de Campinas, um bairro planejado e dedicado à prostituição. Não havia nisso nenhum outro motivo além da tentativa de esconder o que não pode ser escondido, de manter operando a sociedade com a hipocrisia de sempre. Um modo que permitisse à “família tradicional” fazer de conta que isso não existia. O resultado, com o passar dos anos, é que agora o Jardim Itatinga reúne cerca de 1,7 mil trabalhadoras e trabalhadores do sexo, tendo se tornado uma das maiores concentrações de toda a América Latina, nesse tipo de atividade – há quem afirme ser no mínimo a maior “zona” do Brasil.
O bairro fica às margens da Rodovia Santos Dumont. E basta circular por ele para confirmar a fama que o consagrou. Existem dezenas de bares, música alta sendo ouvida e pessoas seminuas circulando em meio a um fluxo intenso de veículos não apenas de Campinas. De acordo com a Associação Mulheres Guerreiras, organização que representa as prostitutas da região, são 117 estabelecimentos diferentes que atendem 24 horas por dia. Recente trabalho de pesquisa realizado pela Unicamp se debruçou sobre essa realidade, que não tem mais como acabar. Nem mesmo a recente pandemia conseguiu fazer isso, apesar do decréscimo enorme de movimento, naquele período. Mas, além do recolhimento compulsório, o que contribuiu para que alguma alteração de fato fosse notada foi a consolidação do mercado sexual online. Esse, no entanto, chegou a acolher parte das operadoras do local, que também começaram a vender conteúdo pela internet.
Uma das mulheres ouvidas pelos pesquisadores da Unicamp, Betânia Santos, que veio do Maranhão 32 anos atrás para trabalhar no local e hoje está com 50 de idade, diz ter criado três filhos com a renda obtida. Foi uma das que reforçou a certeza de que a atividade nunca parou e sempre se adapta, quando surgem contingências especiais. Ela também sabe que os tempos agora são melhores do que no início, em plena ditadura. Isso porque algumas das prostitutas chegaram a ser presas e torturadas, na busca de informações que poderiam ter a respeito de seus clientes de esquerda.
Uma questão relevante, que começa a ser debatida com frequência, é a necessidade de ser adotada alguma normatização do trabalho sexual, algo que permite mais segurança para quem atua e para quem faz parte dos que consomem. No ano passado, uma operação conjunta realizada por vários órgãos públicos em outra cidade paulista, Itapira, resultou em um inédito acordo de reconhecimento de vínculos empregatícios para três prostitutas. O acordo celebrado levou o empregador a realizar os registros em carteira. Isso aconteceu oito anos após o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ter incluído na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) o verbete “profissional do sexo”.
Betânia, que além de trabalhadora é ativista, ressalta que o trabalho sexual não é crime e que o bairro todo depende economicamente do que fazem. Acontece que, sendo a sociedade conservadora ao extremo, esse reconhecimento enfrenta barreiras para acontecer. O que é feito entre as muitas quatro paredes do local não tem glamour, não tem romantismo. Trata-se de um negócio que está a exigir por lá, como em todas as outras cidades brasileiras, a possibilidade de ser regulamentado. A inclusão entre quem paga e recebe auxílios da Previdência Social, quem busca direito à assistência no âmbito da saúde e também aposentadoria.
Isso tudo, no entanto, vem sendo impactado pelo retrocesso moral – ou, melhor dizendo, pelo recrudescimento de uma falsa moral. O avanço do conservadorismo ampliou os percalços, que já não eram poucos. Por causa disso, o trabalho feito pela Unicamp recomenda que a educação sexual seja tratada como política pública. E que já passou da hora de o sexo ser visto de uma forma mais natural, incluindo aquele que é pago. O movimento feminista já conseguiu falar e ser aceito em sua posição, de que o sexo não é apenas reprodutivo. Mas, convenhamos, isso ainda é muito pouco.
02.02.2024

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