MEIO SÉCULO SEM CILON

Em 27 de fevereiro de 1974 o gaúcho Cilon Cunha Brum, que havia sido preso pelo Exército Brasileiro, foi executado sumariamente. Este ato contrariou os mais básicos direitos humanos, além de afrontar as normas da Convenção de Genebra, da qual nosso país era um dos signatários. O jovem estava sob custódia tendo a sua vida, portanto, que ser garantida pelo Estado. Exatamente cinco décadas depois, recebeu homenagem na Câmara Municipal de Porto Alegre, sendo lembrado ainda em evento ocorrido na praça que leva seu nome e está localizada no Bairro Farrapos, na Capital. E foi reverenciado também em São Sepé, sua cidade natal.

O filho de Lino Brum e Eloá Cunha Brum, depois de concluir os estudos fundamentais, veio para Porto Alegre cursar o Técnico em Contabilidade no Nossa Senhora do Rosário. Morava em uma república de estudantes no centro da cidade, com um irmão e um primo. Entretanto, só fez os dois primeiros anos e se mudou para São Paulo, onde concluiu o curso no Colégio Comercial Riachuelo. Depois disso, conseguiu ingresso em Ciências Econômicas na PUC paulistana. Foi lá que se interessou pela política estudantil, chegando à presidência do Centro Acadêmico Leão XIII, da FEA, compondo também a nominata que conquistou o Diretório Central de Estudantes – DCE Livre. De lá para a política partidária de esquerda, foi a sequência natural.

Sempre muito preocupado com as questões sociais e repudiando aquilo que o regime ditatorial representava em nosso país, terminou indo para o Araguaia, adotando o codinome Simão. Era sua entrada na guerrilha, se somando ao grupo que acreditava ser possível reconquistar a liberdade através da luta armada. A partir de então seu nome passou a fazer parte da lista de procurados do Destacamento de Operações e Informações do Centro de Operações de Defesa Interna, o temível DOI-CODI.

A última vez que Cilon esteve com sua família foi em junho de 1970, quando esteve em Porto Alegre. Disse a seus irmãos que estava sendo perseguido e que poderia ser preso a qualquer momento. O que de fato veio a acontecer. Os órgãos de segurança jamais tiveram a ombridade de admitir que foi assassinado, provavelmente por ter ele resistido à tortura que lhe foi imposta. O corpo jamais foi encontrado. Há apenas indícios de que tenha sido um dos 15 guerrilheiros emboscados no que o Exército mesmo apelidou de “Chafurdo de Natal” – chafurdar significa nesse caso remover a sujeira –, ocorrido na manhã de 25 de dezembro de 1973.

O livro Dossiê Ditadura relata o depoimento de Pedro Ribeiro Alves, que era conhecido como Pedro Galego, um ex-guia do Exército, que afirma ter visto com vida quatro dos presos. Seriam eles Batista, Áurea, Josias e Simão (codinomes). Estariam no acampamento que existia em Xambioá, no atual Estado de Tocantins. Ou seja, 11 deles podem ter sido mortos no local, mas pelo menos aqueles que foram citados permaneciam vivos após a operação. O que agrava o crime, uma vez que não teriam morrido em um suposto combate. Outros documentos e depoimentos apontam que ficaram presos por cerca de 60 dias, sendo submetidos à tortura.

Esses “desaparecimentos forçados” ocorreram dentro do que o comando militar idealizara por pelo menos três meses: a Operação Marajoara. Seu objetivo era destruir os grupos de resistência que se instalaram na região e também descobrir e punir camponeses que de algum modo pudessem ter auxiliado ou mesmo apenas mantido algum simples contato com os jovens idealistas. A informação que mais pode ter se aproximado da verdade dos fatos, em relação a Cilon, veio em 15 de outubro de 2015. Foi a notícia de que Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió, teria admitido em depoimento pessoal para a juíza federal Solange Salgado que matara dois dos prisioneiros do Araguaia. Seriam Antônio Theodoro Castro, o “Raul”; e Cilon Cunha Brum, o “Simão”. Foi nessa data citada e adotada como real. Ele e sua equipe os teriam removido algemados da Fazenda Consolação para um ponto afastado na mata, já na área da Fazenda Matrinxã, onde com tiros de fuzil na cabeça tiraram suas vidas. Os corpos foram enterrados no mesmo local.

Curió jamais foi julgado pelos seus crimes – 67 opositores à ditadura foram mortos por ele ou sob seu comando, no Pará, Goiás e Maranhão. Seguiu sua vida sendo inclusive promovido, dentro das Forças Armadas. E logrou ser eleito deputado federal pelo Pará, além de prefeito de um município naquele mesmo Estado. Em 2020 chegou a ser recebido pelo então presidente Jair Bolsonaro em audiência privada. Morreu aos 87 anos, dia 17 de agosto de 2022, em um hospital de Brasília. Se a vida espiritual prossegue depois da morte física, duvido que esteja agora no mesmo lugar onde se encontra Cilon.

28.02.2024

Cilon, entre seu pai Lino e sua mãe Eloá. Foto do arquivo da família

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O bônus de hoje é a música Cálice, que foi composta em 1973 por Chico Buarque de Holanda e Gilberto Gil. Inicialmente censurada, cinco anos depois ela teve permissão – talvez porque a revisão do pedido tenha caído nas mãos de censores militares sem capacidade intelectual para perceber o duplo sentido da letra – e foi gravada por Chico e Milton Nascimento.