Ontem eu precisei acordar às cinco da manhã, porque necessitava me alimentar com boas horas de antecedência em relação a um pequeno procedimento cirúrgico ao qual me submeti (1). Voltei para a cama, depois. Na véspera e no mesmo horário, um ex-presidente e sua horda de filhos também estavam em pé. Mais do que isso, saindo para uma suposta pescaria, hábito que não tinham. Entretanto, nessa segunda-feira em especial, foi mais do que necessário, oportuno. Um passarinho deve ter contado a eles que a Polícia Federal os acordaria um pouco mais tarde, se todos resolvessem ficar na cama até o horário costumeiro.

Esta operação policial era um desdobramento de uma série delas, que buscam esclarecer o uso ilegal da Agência Brasileira de Informações, a ABIN, que mantinha uma ação paralela às atribuições legais com o fim exclusivo de favorecer o ex-presidente Jair Bolsonaro e sua família, além de algumas pessoas muito próximas. Como eles não sabiam se haveria algum mandado de prisão, além dos óbvios de busca e apreensão, a opção foi por se evadir do local, uma das várias mansões que possuem, essa em Angra dos Reis. A autorização também foi dada para que a polícia fosse à residência e ao gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), que desde há muito é apontado como coordenador do chamado Gabinete do Ódio. Foram cumpridos ainda mandados em Brasília, Salvador e Formosa, uma cidade goiana.

Em um dos alvos, a casa do militar Giancarlo Gomes Rodrigues, a PF encontrou um computador da Abin, que não tinha razão alguma para estar fora da sua sede. Giancarlo é ex-assessor do agora deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que chefiava a Abin quando Bolsonaro era presidente. Ele estava lotado no Centro de Inteligência Nacional (CIN), operando a ferramenta First Mile (2), que se trata de um software de alta tecnologia, voltado à espionagem, que foi desenvolvido pela empresa israelense Cognyte. Em todos os locais visitados, muitos celulares foram ainda apreendidos, mas é provável que alguns tenham ido banhar-se nas águas profundas da Baía de Angra.

Investigações anteriores já apontaram para o monitoramento ilegal de inúmeras autoridades e adversários políticos do clã Bolsonaro. Havia acesso à localização e inclusive conteúdo de celulares pertencentes a servidores públicos, jornalistas, advogados, policiais, juízes e políticos. Entre esses últimos, não apenas os da oposição, com alguns aliados menos confiáveis, no entendimento do grupo, também sendo observados com constância. Este comportamento é a prova final de que o grupo que estava no poder não estava de modo algum interessado em assegurar a proteção dos cidadãos e o desenvolvimento da nação como um todo. Seu objetivo se restringia à perpetuação no poder, ao acesso a riquezas e ao silenciamento de vozes que a isso se opusessem. O que estava sendo complementado pelo aparelhamento da segurança pública e o desmonte dos órgãos de fiscalização. Tudo isso muito distante de quaisquer princípios democráticos e republicanos.

Enfim, já está mais do que na hora de retirar das águas os peixes grandes. Ficar pescando a miuçalha não resolve o problema maior e coloca o país outra vez em risco. Tubarões, bastam aqueles que vez por outra atrapalham surfistas em praias de Pernambuco. Importante lembrar que no último domingo o “patriota” já fizera uma live, ao lado dos filhos, na qual voltou à pauta dos costumes e trabalhou a doutrinação dos seus seguidores fiéis. Usava, na ocasião, uma camisa da Seleção de Israel. Tem razões de sobra para agradecer àquele país, hoje dominado pelos seus parceiros de extrema-direita.

31.01.2024

(1) Este texto foi escrito antes do procedimento, uma vez que depois dele eu estaria impossibilitado de digitar. Já foram produzidas e programadas as próximas postagens do blog, garantindo que se mantenha a frequência.

(2) O First Mile permite monitorar simultaneamente até dez mil celulares, com o sistema podendo também gerar alertas sobre rotina e movimentação dos alvos. O bônus de hoje é O Vírus da Corrupção, samba de Bezerra da Silva.

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