A INTOLERÁVEL INTOLERÂNCIA

Não são poucos os motivos de alerta. E algumas vozes já se levantaram apontando o risco, mesmo sem terem ainda conseguido ser ouvidas com o nível de atenção merecida. A verdade é que o crescimento das igrejas pentecostais em nosso país está trazendo junto consigo não apenas a propagação de um olhar diferente sobre a fé cristã, como também uma total intolerância contra grupos que professam outras manifestações de fé. Isso ocorre notadamente contra as de matriz africana, mas não está de modo algum restrito a elas.

Na semana passada, aqui em Porto Alegre, apareceram pichações em imagem de Mãe Oxum, uma estátua tombada por lei como patrimônio histórico, artístico e religioso do município, com algumas palavras de cunho intolerante. A homenageada com o monumento se trata de uma divindade cultuada por seguidores destas manifestações religiosas, que têm pleno direito de acreditar nisso. Do mesmo modo que católicos, episcopais, budistas, luteranos, espíritas, muçulmanos e tantas outras religiões também têm. Foi necessário e correto o registro de um boletim de ocorrência, para investigação policial. Pela simples razão de que isso é um crime.

O fato grosseiro – vilipêndio é a palavra mais adequada – ocorreu justo na data que é consagrada como Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, o 21 de janeiro. Ele foi criado através da Lei 11.635, de 27 de dezembro de 2007, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando completava o final do primeiro ano do seu segundo mandato. E convêm lembrar que a liberdade religiosa é um princípio fundamental garantido pelo artigo 5º da Constituição Federal do Brasil (*). A escolha do dia em janeiro foi uma referência à morte da Ialorixá baiana Gildásia dos Santos, conhecida como Mãe Gilda, que teve sua casa e seu terreiro invadidos por um grupo de evangélicos pentecostais, quando foi agredida verbal e fisicamente, o que a levou a sofrer um infarto fulminante. Nos últimos anos, centenas de casos de intolerância foram registrados, em diferentes níveis de agressividade e consequências.

Fundamental se torna dizer, mesmo que aparentemente desnecessário, que a proteção ao direito de manifestação de fé não está dirigida a nenhuma religião especial. Esses casos citados são de intolerância com as de matriz africana porque, sem qualquer sombra de dúvida, são hoje em dia as principais vítimas deste fato. Mas, já tivemos outros tantos, com outras religiões, inclusive com a ainda majoritária em nosso país, que é o catolicismo. Como, por exemplo, a quebra de imagens de Nossa Senhora Aparecida, seja dentro de igrejas – a chamaram de “Satanás vestido de azul” – e até mesmo em programa de televisão, com o criminoso registrando prova contra si mesmo. Também é inaceitável o antissemitismo, assim como a desconfiança generalizada contra seguidores do Islã.

Então, por que se torna mais preocupante aqui no Brasil a questão dos pentecostais? Primeiro porque muitas das suas lideranças têm se mostrado indutoras desse comportamento; segundo, porque existe uma crescente ocupação de cargos eletivos por membros dessas igrejas, o que permitirá, em curto espaço de tempo, terem poder inclusive para alterar dispositivos legais sem contestações efetivas. Ou seja, o Estado pode muito bem deixar de ser laico. No primeiro caso, tente quem estiver lendo lembrar de algum padre, pregador espírita ou pai de santo sugerindo que seus seguidores invadam outros locais de fé para agredir seus ocupantes. No segundo, talvez seja relevante se informar como é a vida em países onde a fé religiosa e o poder político estejam umbilicalmente unidos. Nesses, em geral, as liberdades individuais e os direitos civis sofrem restrições severas.

Posto isso, se torna intolerável a intolerância. Fazer vistas grossas agora é postergar uma necessária reação até o momento em que ela não será mais possível. O rigor da lei precisa ser aplicado imediatamente, tanto contra quem perpetua fatos como esse, como também em especial contra quem os estimula. O discurso de ódio é incompatível com a fé verdadeira, seja ela qual for. A não aceitação do outro é de certa forma uma não aceitação da diversidade da criação divina. Não somos iguais uns aos outros e isso é que torna a existência tão plena. Porque essa busca de condições de convívio é fator que nos humaniza, que nos aproxima de Deus. E essa, no fundo, deveria ser a procura de cada um de nós ao longo de nossa existência.

29.01.2024

(*) A Constituição Brasileira, em seu Artigo V, Inciso VI, preconiza que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias.

P.S.: Abaixo você encontra o “Algumas Coisas Para Se Pensar” e também o tradicional bônus.

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ALGUMAS COISAS PARA SE PENSAR (14)

  1. Ao longo de 2023 a Brigada Militar e a Polícia Civil retiraram das ruas, no Rio Grande do Sul, uma média de 26 armas por dia, incluindo fuzis e outras de uso que deveria ser restrito. A política de facilidade para aquisição, que havia sido adotada pelo governo federal anterior, permitiu que a criminalidade se armasse a custo muito menor, pondo em risco a vida das pessoas comuns e dos próprios agentes da segurança pública. Com certeza, as ações das polícias evitaram muitos crimes e algumas mortes.
  2. Na mesma semana em que as empresas de energia elétrica nos mostraram o quanto é danoso a privatização de serviços essenciais, dando um show de incompetência, o prefeito de Porto Alegre, vendeu a Carris a preço vil. A adquirente é conhecida pelo péssimo atendimento que presta, em Viamão. E ficou com todo o patrimônio, incluindo não apenas as linhas e os ônibus, como também as instalações. E, absurdo dos absurdos, poderá pagar parte de dívida assumida devolvendo à prefeitura esses mesmos terrenos que já eram públicos antes do negócio ser fechado. Fica o registro histórico: Dom Pedro II fundou a Carris, Sebastião Melo a vendeu.
  3. Eu gostaria muito de saber quem elabora as tabelas de jogos do Gauchão e que critérios usa. O Grêmio, que chegou no ano passado ao hexacampeonato, recebeu como “prêmio” – além do título e da taça – o “direito” de estrear em 2024 fora de casa, contra o vice-campeão Caxias. Também será visitante contra o terceiro (Internacional) e o quarto (Ypiranga) colocados. Entre os maiores adversários, recebe apenas o Juventude, justo no ano em que o clube de Caxias do Sul está reestruturado e muito mais forte, tendo voltado à Serie A do Brasileirão. Como compensação para esse último “benefício”, ainda ganhou o Brasil em pleno Bento Freitas, em Pelotas. Seu principal adversário joga todas essas em casa e o número de pontos dessa fase assegura o direito de decidir as finais como mandante, o que representa vantagem considerável. Parece que alguém na FGF anda descontente com o fato de o Grêmio estar acumulando conquistas nos últimos anos.

O bônus de hoje é o surpreendente clipe de Mãe Divina (Oração às Deusas), com Marie Gabriella, Nicole Salmi, Laksmi e Kalyani.