PELO DIREITO DE ERRAR

Nós ensinamos para as nossas crianças que é feio errar. Quando tentam pintar algum desenho, com seus primeiros lápis de cor, dizemos que os traços que delimitam cada forma são o limite e que as cores precisam ficar do lado de dentro. Ao aceitarmos os borrões, ainda assim ficamos dizendo que o correto seria que eles não existissem. Quando uma palavra é pronunciada de modo não usual tratamos de corrigir, mesmo quando se acha engraçado a forma como ela tenha sido dita antes da correção. Ensinamos, portanto, que errar é ser um incompetente; que o enquadrado é o correto; que o criativo e diferente precisa ser contido. Com isso, indiretamente estamos é ensinando decepção e sentimento de vergonha.

É desse modo que todos vão associando erro com incapacidade, tornando cada uma dessas incongruências como sendo necessariamente uma situação inapropriada, desagradável. Isso em casa mesmo. Mas, como se não bastasse, tão logo os pequenos vão para a escola isso tudo se agrava. As penalidades ficam maiores, mais evidentes, registradas em notas na cor vermelha em provas – e nos antigos boletins –, assim como em símbolos como a letra “xis” colocada estrategicamente ao lado do item, da resposta que não atingiu as expectativas do professor. Desta forma, as crianças são colocadas diante do dilema de seguir sua intuição e criatividade, de um lado, com a adequação ao que delas se espera, de outro. Elas se dão conta de que aquilo que não serve à visão dominante, não tem valor algum. E, como nenhuma delas consegue mudar o mundo para que ele se adeque à sua forma peculiar de ver as coisas, terminam aceitando o modelo que lhes é imposto. O que repercute até na nossa vida adulta.

Erros conduzem a surpresas, que não obrigatoriamente são ruins. Muitas descobertas científicas, por exemplo, foram resultado de equívocos. A penicilina, que salvou tantas vidas, foi uma destas vindas até nós pelo acaso. Alexander Fleming (1881-1955), em 1928, estava estudando bactérias do gênero Staphylococcus quando cometeu um erro e permitiu que uma amostra fosse contaminada por fungos. Esses produziam uma substância que eliminava as bactérias, o que resultou num dos maiores avanços da medicina. Algo semelhante aconteceu com o engenheiro americano Wilson Greatbatch (1919-2011), que estava construindo um dispositivo para gravar batimentos cardíacos de pacientes. Mas, errou ao retirar um resistor da caixa e, quando a remontou, se deu conta que o circuito emitia pulsos elétricos, algo que poderia estimular um coração em colapso. Estava inventado o marcapasso.

Um erro pode ser fonte de sucesso e de alegria. Isso porque ele causa a incerteza, a variância, a entropia. Quando ele ocorre, propicia que nosso cérebro se realinhe. A novidade, mesmo acidental, sempre abre novas perspectivas e probabilidades. Nos força a pensar em modos de corrigir os rumos, buscar saídas. Os acertos sistemáticos, ao contrário, fazem com que nos habituemos com o lógico, o metódico, o repetitivo. Eles tendem a nos acomodar. Coisas que em geral não oferecem emoções maiores, não nos levam a avanços pessoais ou coletivos. Os erros, por sua vez, nos alertam, acrescentam importantes informações e nos atualizam em termos de enfrentamentos futuros. Erros são informações novas, enquanto acertos em geral são mesmices.

Não estou aqui sugerindo que se passe a errar de propósito, nas nossas decisões, escolhas e conduta. Até porque essas situações não seriam de fato erros e sim um acúmulo de despropósitos. Não trariam novidade, resultando apenas em confusão. Minha sugestão fica no âmbito de que se reduza o policiamento. Que se amenize a guarda. Que possamos nos permitir. Algo que nos aproxime do que fomos na infância – sem travas de pais e professores. E, se quisermos voltar ainda mais no tempo, vamos lembrar que os bebês logo que começam a perceber o mundo se tornam exploradores, movidos por uma curiosidade instintiva. Como o seu cérebro ainda detém um número limitado de informações, quanto ao que há neste mundo, ele experimenta de tudo. Faz isso pouco se lixando para ser certo ou errado. Até porque eles, felizmente, ainda estão livres dessa conceituação. Então, me manifesto aqui pelo direito de errar. Adultos cooptados pela vida cotidiana tendem a ver erros como trágicos: eu prefiro ver muitos deles como mágicos.

10.01.2024

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O bônus de hoje é duplo. Primeiro temos Outra Vez, música de Roberto Carlos, na voz de Oswaldo Montenegro. Depois é a vez do clipe de Arnaldo Antunes, apresentando Saiba.