UMA MONTANHA DE SUPERAÇÃO

O que ela fez foi algo extraordinário. Suas duas façanhas foram inéditas e uma demonstração de força e de superação surpreendentes. Primeiro ela removeu 130 toneladas de lixo reciclável das ruas de Campinas; depois superou os 8.848 metros de altura do Everest, no Nepal. Essa brasileira, filha de um casal pernambucano, que nasceu e se criou no periférico bairro Jardim Capivari, se tornou a primeira mulher negra da América Latina a completar a escalada do ponto mais alto do planeta. Com a montanha de lixo conseguiu boa parte dos recursos para enfrentar a outra. E a sua determinação é um bom exemplo no qual cada um de nós pode buscar espelhamento, neste momento em que tantas resoluções e promessas costumam surgir, com a chegada de um novo ano.

Aretha Duarte desde pequena tinha a exata noção de que precisava fazer por si mesma aquilo que seus pais, por mais boa vontade que tivessem, não poderiam fazer por ela e os dois irmãos. A mãe cozinheira e o pai operário tinham prioridades outras, ligadas à sobrevivência da família, que impediam por exemplo a aquisição de um par de patins com o qual ela sonhava. Aos dez anos, ela juntava as latinhas de refrigerante vazias que eram descartadas em barraca de venda de pastéis. E com sua venda somou os R$ 109,00 que então precisava para realizar um dos seus primeiros sonhos. A diferença daquele desejo para o último, no fundo, foi apenas o volume e o tempo necessários para sua obtenção. Chegar aos R$ 110 mil foi um tanto mais difícil, sendo que mesmo assim esse valor era insuficiente. Só que essa garra toda, uma vez que se tornou pública a história – foram 12 meses e meio de trabalho –, fez com que pessoas e empresas de sua cidade completassem o que faltava para viagem, estadia, equipamento e contratação do guia.

Se engana quem pensa que, depois de chegar ao Vale do Silêncio, ela enfrentaria apenas a neve, o frio e a terrível subida. Nos primeiros dias ela cometeu um erro que quase lhe custou a escalada: tirou os óculos buscando enxergar melhor no meio da neblina, evitando cair em algum buraco ou se extraviar dos demais membros da excursão. Com isso, provocou uma queimadura nas córneas e precisou ficar dois dias numa barraca, com os olhos vendados. Depois da dor física – que também vem do esforço muscular intenso, do esgotamento – ainda teve outras, como as causadas pelo preconceito. Um guia equatoriano fez de tudo para que ela desistisse, por mero machismo. E um brasileiro que também tentava escalar a montanha ficou indignado pelo fato dela precisar tomar um banho extra, determinado dia, pelo fato de ter menstruado. Banhos nas escaladas são difíceis, porque é necessário derreter o gelo e aquecer a água, mas todos tomam.

Para finalizar, ainda houve um problema que não foi com ela, mas afetou sua subida. O guia Pasang teve partes do corpo congeladas e com isso ela se dispôs a desistir, por entender que seu sonho não poderia custar a amputação de membros de outra pessoa. Foi a vez dele demonstrar uma extrema bravura. E o nepalês não aceitou, tendo forças ainda para que as oito horas restantes da caminhada fossem completadas, sem danos maiores para sua saúde. Perto da chegada ao cume, Aretha tirou do bolso uma câmera e passou a registrar tudo, mostrando a extensão do Himalaia e as áreas da China e do Nepal, nos seus dois lados. A vitória estava assegurada. Até hoje apenas 33 brasileiros conseguiram isso, com menos de um quinto sendo mulheres e somente ela uma negra.

Segundo seu relato, foi necessário um grande PIB para superar esses limites. A sigla é uma apropriação dela, significando Poder Interno Bruto. Com ele, de volta ao mesmo local onde sempre viveu, na periferia campineira, está trabalhando com crianças. Inaugurou uma parede de escalada no Parque Linear e motiva os pequenos a enfrentarem os obstáculos que têm pela frente, não apenas no esporte. Quer que cada um deles persiga todos os seus sonhos, como ela fez. Porque não pode ser a cor da pele, a falta de recursos financeiros e a descrença de terceiros que os limitem.

02.01.2024

Aretha Duarte, a primeira negra latino-americana a escalar o Everest

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O bônus de hoje é a música Resiliência, com a Tribo da Periferia, uma dupla de rap formada em Brasília.