FERNANDA MONTENEGRO ESCOLHENDO FEIJÃO

Durante muitos anos eu tive comigo um poster do filme Eles Não Usam Black Tie. De papel e sem moldura, sua durabilidade foi até considerável. Não lembro exatamente do destino dado a ele, mas deve ter sido afinal o lixo mesmo. Dirigida por Leon Hirszman, a película lançada em 1981 ganhou vários prêmios em festivais internacionais, tendo alcançado o maior deles no Festival de Veneza, na Itália, onde foi de fato aclamada.

O filme foi baseado em uma peça teatral de mesmo nome, escrita por Gianfrancesco Guarnieri, que também foi roteirista e atuou ao lado de Fernanda Montenegro e de nomes como Carlos Alberto Riccelli, Bete Mendes, Milton Gonçalves, Paulo José e Francisco Milani, entre outros. O resultado cinematográfico é algo impecável, histórico, inesquecível. Quanto ao texto original, foi um marco do teatro de temática social em nosso país. A partir de sua encenação teve início uma produção muito mais sistemática e crítica, composta por mais textos dispostos a de fato representar as classes suburbanas, o proletariado.

Destaco aqui o filme e não a peça teatral porque o primeiro pude ver e rever, sendo simplesmente impactado pela sua qualidade, a mensagem, os desempenhos. Não tive a mesma sorte de assistir em alguma casa de espetáculos, primeiro porque naquela época sequer soube se ela tinha sido representada em Porto Alegre e porque, estudante universitário, não havia muito dinheiro que permitisse mais do que ir ao cinema. O que se mostrou suficiente. O cartaz, nem lembro direito, mas acho que ganhei depois de muita insistência junto aos funcionários do cinema, que devem ter se sensibilizado com o fato de eu ter repetido sessões.

A história mostra todo o drama familiar que se instaura no seio de uma família onde pai e filho são operários em uma mesma fábrica. Problemas trazidos pela exploração dos trabalhadores leva à deflagração no local de um movimento grevista que é liderado por Otávio – o pai, vivido por Guarnieri –, que tem o dissabor de ver o filho Tião (Ricelli) furando a greve devido ao medo de perder o emprego. Acontece que a namorada dele está grávida e ele necessita do trabalho para poder casar. O que ocorre depois é que este conflito doméstico se estende para os piquetes e para as assembleias.

Esposa de um e mãe do outro, está Romana, uma personagem vivida de modo magistral por Fernanda Montenegro. Ela é a própria personificação da impossibilidade da escolha de um lado, uma vez que sente ambas as faces do problema e sabe que, seja qual for o resultado, a derrota e não a vitória ficará impressa verdadeiramente de modo indelével na história de todos. A cena na qual ela escolhe feijões, vendo cada um dos grãos cair da mesa para a bacia que segura no colo é antológica. Há um longo silêncio que só se quebra pelo som desta escolha – muito mais simples do que aquela imposta pela vida – e pelo fundo musical que vai subindo aos poucos. Aliás, a trilha sonora é assinada por nomes como Adoniran Barbosa, Chico Buarque e Radamés Gnattali.

Eles Não Usam Black Tie é um dos integrantes de uma lista com os cem melhores filmes brasileiros. Ela surgiu a partir de inquirição proposta pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema, para os maiores nomes do setor no país. Resultou na publicação de um livro luxuoso, lançado no ano de 2016, durante o Festival de Gramado. A obra oferece também uma série de ensaios produzidos sobre os escolhidos. Foram cerca de cem os membros da Abraccine que votaram, cada um produzindo sua própria coleção individual com 25 filmes, com a posterior extração dos mais citados, feita por uma equipe. No processo, foram citadas um total de 379 produções diferentes, com essa de Leon Hirszman tendo ficado em 14º lugar.

Nem todos concordaram com a decisão de dar classificação aos filmes, entendendo que bastava que eles fossem citados, por ano de produção ou mesmo por ordem alfabética. Isso porque sempre estará presente toda uma subjetividade. Mas, creio que ninguém entre todos os críticos que viram Eles Não Usam Black Tie deixa de admitir que esta obra foge do uso barato da ideologia, assumindo uma qualidade dramatúrgica de excelente nível. Algo quase eterno mesmo, ao contrário daquele cartaz do qual eu gostava tanto.

18.12.2023

Cartaz do filme

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