O TANGO MAIS TRISTE DA HISTÓRIA

Uma das canções com maior carga emocional que eu tenho conhecimento existir é um tango, composição de Carlos Gardel sobre letra de Alfredo Le Pera. Todos sabemos que essa música argentina sempre se sustenta pelo drama, sendo sua característica a radicalidade das expressões. Mas, essa em especial, consegue ser ainda mais forte nesse aspecto. Me refiro à Sus Ojos Se Cerraron. O fato que torna esse tango um dos mais marcantes reside na razão de ter sido ele baseado em uma história real. Mais do que isso, algo que o próprio compositor viveu, não sendo narrativa do que poderia ter acontecido com terceiros.

Agora, antes de falarmos da música em si, preparem-se para uma revelação que será para muitos algo impressionante: Le Pera não era argentino, mas brasileiro. Foi filho de imigrantes italianos que haviam se estabelecido aqui no Brasil até que decidiram emigrar novamente, buscando fugir da febre amarela, que então assolava nosso país. Esse foi o motivo que levou sua família de São Paulo – ele nasceu no bairro Bexiga – primeiro para Montevidéu, no Uruguai, e depois para Buenos Aires. Na capital argentina coroou uma carreira que teve muito destaque. Le Pera foi também jornalista, crítico de teatro e roteirista, assim como poeta e letrista. Além de tangos, compôs também várias rumbas e zambas.  Como exemplo das primeiras, cito Por Tus Ojos Negros, letra que foi musicada pelo cubano Dom Aspiazú em parceria com o uruguaio Carlos César Lenzi.

Mesmo sendo um letrista maravilhoso, não deixa de ser verdade que nesse aspecto as circunstâncias o deixaram um tanto à sombra de Gardel, que foi um verdadeiro mito. Suas composições, no entanto, faziam uso de palavras de tal forma adequadas que permitiam com que as pessoas se identificassem de imediato. O que vale tanto para quem canta quanto para quem escuta. A letra de Sus Ojos Se Cerraron, por exemplo, é longa e desgasta quem interpreta não apenas pelo tamanho e seus saltos melódicos como ainda pela forte carga emocional que carrega. O andamento, como todo tango, tem dedilhados dominantes, com cadências tensas entre um acorde e outro.

Gardel e Le Pera de certa forma inventaram uma nova forma do tango ser cantado. Uma espécie de tango-canção, que foi popularizada também pela inclusão em filmes, alguns dos quais produzidos nos EUA, em Hollywood. Mas, voltando ao tango que é considerado um dos mais tristes da história, a inspiração veio de uma relação amorosa entre Le Pera e a dançarina Aída Martínez. Viveram isso em uma impressionante plenitude, até que ela contraiu uma doença. Ele a acompanhou todo o tempo, tendo levado sua amada para um tratamento alternativo na Suíça. Com o fracasso também dessa terapia, ela morreu nos braços dele, que do abalo, produziu a letra citada. Ela é um protesto contra a impotência que temos todos diante da morte, do inevitável.

“Seus olhos se fecharam e o mundo continuou andando. Sua boca, que era minha, já não me beija mais”, chora Le Pera com lágrimas musicais. Ele reclama do silêncio, de não mais ouvir a gargalhada sonora de Aída. E da falta do carinho das mãos sobre seu peito. Completa que não há consolo nem mesmo com o choro, que em alguns momentos se recusa a brotar. Uma sofrência que merece ser chamada assim, ao contrário de tantas letras cotidianas que aqui no Brasil – onde se originou esse termo inadequado – têm buscado fabricar esse sentimento, muitas vezes sem associação alguma com a realidade.

Em 24 de junho de 1935, um acidente aéreo ocorrido próximo de Medellín, na Colômbia, vitimou uma comitiva de músicos que visitava diversos países latino-americanos para apresentações. Perderam a vida Gardel e Le Pera, além de outras 15 pessoas. Sobreviveram três, depois do choque no ar entre duas aeronaves Ford Trimotor que se aproximavam do Aeroporto Olaya Herrera – mesmo local onde houve recentemente um desastre com avião que levava a Chapecoense para jogo contra o Nacional. Só que neste foram 71 mortos, com 17 no anterior. Nunca houve um esclarecimento completo quanto ao que de fato ocorreu, mas existia uma disputa entre empresas quanto à troca de pilotos, o que envolvia a norte-americana Pan American Airways.

26.11.2023

Carlos Gardel (E) e Alfredo Le Pera (D)

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O bônus de hoje está composto por dois áudios. No primeiro, a cantora costa-riquenha Maria Isabel Anita Carmen de Jesús Vargas Lizano, conhecida como Chavela Vargas, interpreta Sus Ojos Se Cerraron. O que depois é feito, no segundo, pela brasileira Dalva de Oliveira, em uma versão em português.

Chavela Vargas – Sus Ojos Se Cerraron
Dalva de Oliveira – Sus Ojos Se Cerraron