DINHEIRO É ILUSÃO

O dinheiro foi criado devido à necessidade de ser facilitada a troca de mercadorias. Porque o escambo não conseguia resolver isso, atendendo as reais demandas de indivíduos ou grupos. Era essencial que passasse a existir um padrão intermediário, uma vez que as trocas diretas não tinham como resolver a maior parte das situações. Porque o que se tinha para oferecer poderia não ser do interesse de quem tinha algo de que se estava precisando. Se ambos queriam, ótimo. Mas, se as necessidades e disponibilidades não coincidissem – o que com certeza era muito mais comum –, ficava inviável. Para ambos sobrava o seu próprio excedente; enquanto para ambos faltava aquilo que seguiam precisando. Deste modo, foi preciso criar um valor simbólico que representasse todo e qualquer produto ou serviço. Algo que propiciasse a realização de operações triangulares.

Primeiro a riqueza em geral, que antes era medida através da posse de bens materiais, como moradias, carroças, cavalos, utensílios, camelos, etc., ganhou a companhia de outros mais simbólicos do que práticos, como ouro, prata e joias. Esses começaram a ser o padrão intermediário, mas ainda sem a praticidade que se impunha. Como determinar quantas gramas de ouro valeria um animal do rebanho? Quanto em prata se poderia trocar por qual quantidade de grãos ou de peças de linho? Além disso, essas coisas nem sempre não eram de transporte muito fácil, algumas vezes devido à dimensão e ao peso, em outras devido ao risco de ocorrer pilhagens. Surgiram então os pais dos bancos, umas casas que recebiam os metais preciosos e entregavam aos seus proprietários documentos, papéis que certificavam que ele de fato os possuía. Havia segurança e se tornava fundamental existir confiança.

Entretanto, como as pessoas não mais resgatavam aqueles seus bens, uma vez que ficava muito mais cômodo trocar os títulos emitidos por outros títulos, continuamente, os mesmos cambistas passaram a emitir títulos sem lastro, que eram de certa forma falsos, uma vez que não representavam nenhuma mercadoria, nenhum metal ou valor real. Pior: passaram então a emprestar esses títulos a juros. Nasciam os bancos privados, como esse onde você tem conta hoje em dia.

Em se tratando de países (ou reinados, cidades-estado e outros que tais), não demorou muito e se encontrou uma forma distinta de cumprir essa mesma “missão”. E passaram a ser cunhadas moedas, que eram feitas dos mesmos metais preciosos que citei, em pequenos pedaços, com identificação de origem e com o seu próprio peso atestando o quanto elas valiam. Mais um passo foi dado quando estabeleceram um valor de face ao metal, que não precisava identificar o peso exato, mas arbitrando um resgate. A aceitação generalizada deste novo formato tornou possível trocar a matéria prima, sendo adotados metais menos nobres. Valia o que estava exposto, sendo que o “lastro garantidor”, o metal precioso real, seguia com fiéis depositários. Por essa circunstância histórica se consolidaram os bancos centrais: neles ficava protegido aquele metal precioso, que servia para dar credibilidade para toda e qualquer transação.

Essa solução que parecia ser simples, mágica mesmo, nunca impediu que se estabelecessem outras tantas dúvidas. A primeira era como atribuir o número justo de moedas para cada mercadoria, estabelecer o que se chamaria de “preço”. As coisas eram mensuráveis, mas continuavam um tanto subjetivas. Depois, pelo fato de nunca ter existido uma moeda única – o que é o sonho relativamente recente dos EUA com seu dólar, que agora está ameaçado –, ocorreu que se precisou determinar pesos entre elas, o que se chamaria mais tarde de “câmbio”. Assim já se tinham conceitos relativos a valor, preço e mediação em trocas, todos estabelecidos.

Mesmo assim prosseguiu esse imbróglio todo, quando o lastro deixou de ser cumprido também entre as nações e seus povos, existindo apenas a insuspeição. Quando todos passam a aceitar que aquilo que circula representa valor, esse é imediatamente “adquirido”, ele se torna real, começa a existir. Então, os bancos centrais e seus países, do mesmo modo que os bancos privados, “esqueceram” que as moedas ou depois as cédulas impressas, teriam que ser representação de algo existente. Assim, o dinheiro passou a ter um valor em si mesmo, sendo mais poder simbólico do que real. Além disso, aquela questão da confiança pode levar inclusive à ruína, sendo ela substituída pelo descrédito devido a quaisquer circunstâncias. Uma guerra, por exemplo. O título fica “podre”, não conseguindo comprar mais nada.

É essencial que se entenda que tudo não passa de uma abstração. O dinheiro enquanto valor, seja ele produzido em metal ou em papel, do mesmo modo que agora presente na forma de cartões ou até mesmo sendo apenas uma transação eletrônica, ele não é nada. É uma simples invenção, que buscava facilitar nossa vida e terminou por tomar conta dela. E ele é volátil. Uma única nota pode significar uma fortuna nas mãos; centenas delas podem repentinamente valer coisa alguma. Ele tem o poder de salvar vidas, é verdade. Entretanto, pode ser causa de muitas mortes.

“Um cavalo! Um cavalo! Meu reino por um cavalo!”, teria gritado o rei Ricardo III na obra de Shakespeare, quando se viu sem montaria, da qual necessitava ou para matar o Conde Richmond ou para fugir, dependendo do modo que se desenvolvesse a batalha. Naquele momento, nenhuma riqueza se equivaleria ao equino. É o valor atribuído, que não pode de modo algum ser confundido com preço. Uma refeição tem preço, o valor que tem o alimento é muito maior. Um imóvel tem preço, o valor que se dá ao abrigo é incomparável. E, embora o mundo moderno, em especial no capitalismo, siga precificando até a existência das pessoas, a vida seguirá tendo um valor incalculável.

18.11.2023

Uma ilusão que pode escravizar

APOIE O BLOG: Se você gosta dos meus escritos e acha que minha dedicação a eles vem sendo digna de alguma recompensa, por favor considere fazer uma doação de qualquer quantia do seu agrado e possibilidade. Isso pode ser feito de duas maneiras. A primeira e mais simples é através do envio do valor usando a Chave PIX virtualidades.blog@gmail.com. A segunda é através do formulário existente abaixo. Nele a confirmação se dá, depois das escolhas de valor e periodicidade, no botão “Faça uma Doação”.

Uma vez
Mensal
Anualmente

FORMULÁRIO PARA DOAÇÕES

Selecione sua opção, com a periodicidade (acima) e algum dos quatro botões de valores (abaixo). Depois, confirme no botão inferior, que assumirá a cor verde.

Faça uma doação mensal

Faça uma doação anual

Escolha um valor

R$10,00
R$20,00
R$30,00
R$15,00
R$20,00
R$25,00
R$150,00
R$200,00
R$250,00

Ou insira uma quantia personalizada

R$

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmente

O bônus de hoje é Pecado Capital, de Paulinho da Viola, em clipe gravado no Morro da Urca, no Rio de Janeiro, sendo cantada por Jorge Aragão.