REMOÇÕES COMPULSÓRIAS

Em função do gravíssimo problema social que a Cracolândia representa, em São Paulo, mas não apenas por causa dela, veio à baila outra vez a questão sobre terem ou não as autoridades permissão legal para retirar das ruas, compulsoriamente, quem nela reside. E precisamos considerar que não são apenas dependentes químicos que estão nessa situação, sendo a mesma de muitos desprovidos com outras origens e circunstâncias. Então, seria muito mais correto e aceitável que se examinasse o problema sob uma ótica mais social e humana, menos sanitarista e policialesca.

Pode uma sociedade que é incapaz de prover todos os seus membros das condições mais básicas de sobrevivência, ainda cometer mais um desrespeito com aqueles a quem sobrou apenas a rua? Como cobrar algo de quem privamos da própria dignidade? Que alguma coisa precisa ser feita em relação aos moradores de rua, acredito que a maioria das pessoas concordam. Entretanto, o combate ao problema precisa de diversas frentes simultâneas e de políticas permanentes. Ações pontuais geralmente não resolvem nada, sendo elas apenas paliativos em geral adotados para aplacar consciências e fazer de conta de que o dever está sendo cumprido.

Primeiro, a miséria precisa ser combatida com seriedade. Está mais do que na hora de ser reduzida e desigualdade social. Redistribuir renda não é uma preocupação apenas com a situação presente, indo muito além disso: é pensar e agir no rumo de uma nação que se deseja para o futuro. No mínimo é uma prevenção no que se refere à segurança pública, uma vez que se um dos lados do muro está ficando obeso pelo excesso de alimentação e o outro não tem o que comer, mais cedo ou mais tarde alguém vai pular a divisória. Adivinhem de que lado. Mas, essa seria uma providência tomada por medo e egoísmo. Melhor seria se as iniciativas contemplassem o lado mais empático dos seres humanos, se fossem tomadas porque estamos nos colocando no lugar do outro.

São ridículas e primárias as afirmações de que as pessoas que estão na rua, na sua maioria, se mantém nessa condição porque querem. Que são vagabundos, que não trabalham porque preferem pedir esmolas ou viver de programas sociais dos governos. Quem pensa assim, que tenha a coragem de se oferecer para trocar de posição com alguma destas pessoas. Aposto que será fácil encontrar, entre elas, quem aceite o seu emprego, a sua casa, a sua condição de vida, saúde e respeitabilidade. Além disso, quem defende que elas sejam retiradas das praças, do abrigo das marquises, debaixo dos viadutos, sugere que sejam levadas para onde? Um lixão, um cemitério clandestino?

Quando da realização da Copa do Mundo de 2014, a prefeitura do Rio de Janeiro sumiu com 669 pessoas em situação de rua. No ano passado, a de São Paulo retirou e destruiu pertences desses desassistidos que estavam no caminho – pasmem! – da Marcha para Jesus, que teve uma midiática participação do então presidente Jair Bolsonaro. Cristo teria ele próprio deixado de participar do evento, de vergonha. Em Porto Alegre, quem dormia sob o Viaduto Otávio Rocha, na Borges de Medeiros, sumiu de uma hora para outra, quando a prefeitura preparava a comemoração dos 84 anos da bela estrutura arquitetônica. Falando nisso, existe ainda aquilo que chamamos de “arquitetura hostil”, que prometo abordar em outra crônica, brevemente.

No final de julho deste ano, o ministro do Superior Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, havia decidido proibir que moradores de rua fossem retirados à força dos locais que ocupavam. Dias depois dessa sua decisão monocrática, houve a formação de maioria do colegiado para a confirmação. Com isso, todas as prefeituras ficam obrigadas a anunciar previamente suas “ações de zeladoria urbana” que envolvam a remoção de pessoas, informando dia, horário e local. O objetivo das notificações é permitir que todos possam recolher seus pertences e para que ocorra a movimentação sem conflitos, o que vinha sendo regra. E também foi estabelecido prazo de 120 dias – que está correndo e duvido que seja respeitado – para que se crie e implante uma política nacional que as atenda, depois de um diagnóstico completo, que possa identificar perfis e reais necessidades de quem vive nas ruas, feito pelas administrações de cada município.

Sobre esse tema, no programa Jornal do Almoço, da RBS TV, no dia 22 de agosto – guardei bem a data, pelo inusitado da coisa – tivemos um representante da Prefeitura Municipal de Porto Alegre afirmando que a capital dos gaúchos não enfrenta esse problema. E se saiu com uma pérola, ao afirmar que nenhum morador de rua é removido contra sua vontade na cidade. “No máximo o que se faz é remover seus barracos e pertences”, disse ele. Tentem imaginar um cidadão que tem a sorte de possuir sua casa, em algum dos muitos bairros da nossa cidade. Em determinado momento, alguém investido de poderes retira dela os seus bens pessoais e depois põe abaixo a estrutura. Claro que ninguém o estaria removendo de lá compulsoriamente. Ele poderia muito bem continuar no local, sobre os escombros, se assim desejasse. E com o aval da administração Sebastião Melo (MDB), desde que seguisse pagando o IPTU, claro.

17.10.2023

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17.10.2023

O bônus de hoje é a música Desgarrados, de Mário Barbará e Sérgio Napp, com a Orquestra de Câmara da ULBRA, regência de Tiago Flores e solista Chico Saratt.

Logo após, está o link de uma crônica que foi publicada aqui no blog em 04.07.2020. É importante reler e ver o clipe disponibilizado como bônus na ocasião. Tem relevância em função do atual conflito entre Israel e o Hamas. Basta clicar no título, que está na abertura da caixa.