A TEORIA DA ESTUPIDEZ

Um teólogo alemão chamado Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) foi uma das figuras destacadas, dentro da Alemanha, na resistência contra os nazistas. Em função deste seu posicionamento, que nunca foi segredo, que ele acabou preso em 1943, acusado de participação em um complô contra Hitler. Dois anos depois e poucas semanas antes da queda de Berlim, capital retomada pelo exército russo, foi executado. Durante este período no qual esteve encarcerado, ele escreveu uma série de cartas através das quais refletia sobre o que teria levado o seu país, pátria de tantos e tão importantes pensadores e poetas, a se transformar em uma nação de criminosos covardes. Compilados posteriormente, estes seus escritos se tornaram uma das suas obras mais importantes (no Brasil publicada com o nome de Resistência e Submissão), talvez a principal delas ao lado de Discipulado, que é um comentário a respeito do Sermão da Montanha, com uma crítica ao então vigente “espírito de cristandade”.

Segundo o entendimento de Bonhoeffer, a raiz da guinada e do problema ocorrido na Alemanha não decorria da maldade das pessoas, mas sim da sua estupidez. Na concepção deste luterano, a estupidez é um inimigo muito mais perigoso do que a própria maldade. E justifica dizendo que contra essa se pode protestar, reagir. Além disso, no mal sempre se encontram as sementes de sua própria destruição: nele está o antídoto contra si mesmo. Entretanto, isso não ocorre com a estupidez. Protestar nunca resolve e reagir é muito difícil. São recursos inúteis, uma vez que ela não pode jamais ser alcançada pela razão e pela lógica.

Pouco importa você apresentar a um estúpido fatos irrefutáveis, ou tudo o que esteja amplamente fundamentado e comprovado pela ciência, pela história, pelo conhecimento. Se isso contradisser qualquer um dos seus inúmeros preconceitos pessoais, implantados pela tolice ou ainda pela manipulação, ele irá considerar a verdade um absurdo. Para tolos dessa espécie o mais comum é que fiquem satisfeitos consigo mesmos. Vivem em uma espécie de mundo paralelo, no qual são auto congratulatórios. Se bastam e se aplaudem. Agora, uma grande e delicada questão é que o estúpido pode com relativa facilidade se tornar agressivo. Na opinião de Bonhoeffer, um quase nada precisa ocorrer para que se torne perigoso.

Em função disso, o enfrentamento da estupidez exige um cuidado e uma cautela muito maiores do que o necessário para combater a maldade. Assim como argumentos racionais têm pouca validade diante de um louco – no sentido de desprovido de sanidade –, o mesmo se pode afirmar em relação ao estúpido. Fazer isso é partir da inutilidade e seguir rumo ao perigo. Agora, se precisamos ou pelo menos pretendemos vencer a estupidez, primeiro temos que entender a sua natureza. Temos que perceber que ela não é, na sua essência, uma falha do campo da intelectualidade: ela decorre de uma falha moral. Ao menos é essa a tese de Bonhoeffer. Diz ele, para dar exemplo concreto que corrobora seus argumentos, que existem homens com um intelecto grande e que se mostram estúpidos. Por outro lado, há outros que, apesar de um intelecto limitado, estão longe de ser igualmente estúpidos.

Desta forma, ele assegura que a estupidez não é congênita e sim um “atributo adquirido”. E que essa aquisição se dá em circunstâncias bem determinadas. Agora, uma observação que acrescenta é que ela se daria com muito menor frequência entre as pessoas mais solitárias e menos extrovertidas. Seria mais frequente em indivíduos que têm inclinações bem mais sociáveis, garante ele. Desta forma, seu texto defende a ideia de que este é um problema não de ordem psicológica e sim sociológica.

Na opinião de Bonhoeffer, revoluções violentas ou mesmo meros posicionamentos extremos, sejam de origem política, social ou religiosa, produzem uma espécie de explosão de estupidez que atinge um amplo setor da sociedade, uma gama considerável da população. Se espalharia tal qual um rastilho de pólvora. Algo como o efeito de manada. O poder de uns necessita da estupidez de outros para que se estabeleça e tente se manter. Assim, capacidades como o intelecto entram em colapso e a imagem e força destes líderes que surgem, como que fazem com que as pessoas renunciem, conscientemente ou não, de opiniões próprias e se tornem autômatas.

Esses estúpidos podem ser obstinados, mas jamais serão de verdade independentes, apesar de afirmarem isso em conversações. Ou melhor, em seus monólogos, uma vez que não há como de fato entabular com nenhum deles uma conversa coerente. Qualquer coisa que se diga recebe como resposta chavões, slogans e outras expressões pobres. É como se houvesse uma maldição, uma cegueira. Foram destituídos de vontade, reduzidos a uma ferramenta, um número, uma cópia perfeita do nada.

Isso explica, por exemplo, celulares sobre cabeças fazendo em conjunto sinais de luz para extraterrestres. Ou pessoas de joelhos cantando o Hino Nacional para um pneu, no meio de uma estrada. Dois pequenos exemplos que, vistos à distância, são ações totalmente insanas. E que mostram o quanto fácil se torna fazer com que esses mesmos grupos acreditem em quaisquer outros despropósitos e façam inclusive uso de violência, se for justificada como modo de reafirmar sua “verdade”. Vou me abster de citar novos casos, mas acreditem que a mesma turma continua pródiga em fornecê-los.

Bonhoeffer assegura que tentativas externas de enfrentamento desta loucura não surtem efeito algum, são inúteis. A “redenção” precisa de uma força interna que possa recompor o desejo, a vitalidade, tarefa bem pouco provável em curto espaço de tempo. O dependente de drogas, por exemplo, pode até mesmo receber ajuda de terceiros para superar sua dependência. Entretanto, só consegue isso quando internamente existe real disposição nesse sentido. De qualquer modo, se esses não merecem ser abandonados, talvez aqueles também não mereçam.

18.08.2023

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O bônus de hoje é a música Sua Estupidez, de Erasmo Carlos e Roberto Carlos, na voz de Gal Costa.