Página 15 de 15

DUAS VEZES CRAZY DIAMOND

Os Estados Unidos viviam, em 1960, o auge da vergonhosa segregação racial que sempre acompanhou sua história. Pelo menos se imagina que sim. Apesar de nos dias atuais ainda serem rotineiras situações como a da morte de George Floyd, homem negro assassinado por policiais brancos na frente de câmeras, estas ao menos têm mostrado força para deflagrar reações como o movimento “Vidas Negras Importam”. Cerca de seis décadas atrás, as grandes mobilizações ainda sensibilizavam menos e eram resultado da atuação de líderes, como Martin Luther King. Mas, não se pense que pessoas anônimas – ou quase – não tenham também dado uma enorme contribuição à causa.

Foi naquele ano que Dion Diamond, cansado das humilhações diárias que sofria e pelo fato de ter seus direitos o tempo todo desrespeitados, fez algo impensado. Entrou em uma lanchonete que atendia apenas brancos em Arlington, cidade da Virgínia, escolheu um lugar e sentou. Em minutos, cerca de 20 homens o cercaram insultando. Mesmo com a ameaça de ser agredido, disse que só iria se retirar com a presença da polícia. Claro que ela foi chamada, tomando a providência de prender o rapaz. Algumas outras vezes ele e amigos já haviam feito isso, nesses lugares “exclusivos”. Mas sempre fugiam pela porta dos fundos, quando chegava a viatura. Desta feita ele optou por ser preso. Sua família só soube deste e dos casos anteriores, quando jornalistas começaram a ligar buscando informações sobre ele.

Foram várias as detenções, depois desta primeira, sempre pelo mesmo motivo. Uma resistência pacífica, que mostrava presença e incentivava outros para a repetição dos atos. Isso lhe rendeu o apelido de Crazy Diamond (Diamante Louco), com a utilização de seu sobrenome. Algum tempo depois foi recolhido à prisão de Baton Rouge, em Louisiana. Lá os guardas, todos brancos, trataram de sugerir aos internos que dessem um jeito no “hóspede” indesejado. Não contavam com o fato de a fama de Dion ter chegado antes ao estabelecimento. “Vocês sim, não ousem de modo algum mexer com ele”, foi a resposta recebida.

Pink Floyd – nenhuma relação com o George citado – foi uma das mais importantes e talentosas bandas de todos os tempos. E uma das suas músicas mais conhecidas é Shine On You Crazy Diamond. Ela de fato marcou história no grupo também por homenagear um dos fundadores e principal compositor, Syd Barrett. Ele saiu em 1968 devido a problemas mentais que foram agravados pelo álcool e pelas drogas. Mas deixou um legado extraordinário, que inclusive marcou a trajetória dos demais, que continuaram fazendo enorme sucesso. No seu lugar entrou outro que também se tornou lendário: David Gilmour.

A banda foi fundada em 1965 e gravou seu primeiro álbum apenas em 1967, sob a liderança de Barrett: Piper At The Gates Of Dawn. Mas não demorou muito para que desmoronasse a saúde dele, que deixou de ser participativo e alto-astral, ficando melancólico, distante e triste. Chegou a não comparecer a shows ou, como fez uma ocasião, foi e ficou tocando a mesma nota obsessivamente. Na realidade ele também convivia com a Síndrome de Asperger, o que tornava tudo ainda mais difícil. Excelente letrista, o grupo decidiu gravar o próximo álbum ainda com ele, mas sem que fosse envolvido em apresentações ao vivo. Oficialmente apenas em 1972 ele assinou um documento se desligando e abrindo mão de participação financeira.

Tudo isso está sendo posto para contextualizar os sentimentos de culpa e de saudade com que todos ficaram, em relação a Barrett. O que fica evidente no álbum Wish You Were Here, composto e gravado em homenagem ao amigo. Nele é que está a música em questão, que citei anteriormente. Aliás, o título dela tem uma citação indireta, com as três letras iniciais de palavras formando SYD, o seu primeiro nome. Agora sim o “diamante louco” estava devidamente eternizado. Escrita por David Gilmour, justamente seu sucessor, era uma peça instrumental que de certa forma “chamava” o fantasma do músico ao ambiente. Depois de pronta ela acabou sendo dividida em duas metades distintas, com um total de nove partes. É longa, mas maravilhosa e atemporal.

1º.06.2023

A foto mostra Dion “Crazy” Diamond ouvindo, de olhos fechados, os protestos contra sua presença feitos por George Lincoln Rockwell, o fundador do Partido Nazista Americano, na lanchonete de Arlington, na Virgínia. Ela faz parte do arquivo do jornal Washington Post.

Para contribuições voluntárias via PIX, na sua conta bancária informe a seguinte chave: virtualidades.blog@gmail.com (Qualquer valor será sempre bem-vindo)

Se você gostou desta crônica, garanta a continuidade do blog com uma doação. Isso ajudará a cobrir custos com sua manutenção. Logo aqui acima você encontra uma Chave PIX e abaixo deste texto existe um formulário para fazer doações. São duas alternativas distintas para que você possa optar por uma delas e decidir com quanto quer ou pode participar, não precisando ser com os valores sugeridos. Qualquer contribuição é bem-vinda. No caso do formulário, a confirmação se dá depois das escolhas, no botão “Faça uma Doação”.

Uma vez
Mensal
Anualmente

FORMULÁRIO PARA DOAÇÕES

Selecione sua opção, com a periodicidade (acima) e algum dos quatro botões de valores (abaixo). Depois, confirme no botão inferior, que assumirá a cor verde.

Faça uma doação mensal

Faça uma doação anual

Escolha um valor

R$10,00
R$20,00
R$30,00
R$15,00
R$20,00
R$25,00
R$150,00
R$200,00
R$250,00

Ou insira uma quantia personalizada

R$

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Agradecemos sua contribuição.

Faça uma doaçãoDoar mensalmenteDoar anualmente

O bônus musical de hoje é justamente Shine on You Crazy Diamond, em gravação de 2019. Nela estão David Gilmour (guitarra e vocal), Nick Mason (bateria, percussão e vocal), Rick Wright (órgão e sintetizador), Guy Pratt (baixo), Gary Wallis (percussão e bateria), Tim Renwick (guitarra base), Jon Carin (sintetizador) e Dick Parry (saxofone). Fazem o “backing vocals” Sam Brown, Durga McBroom e Claudia Fontaine.