Eu tinha 21 versões distintas e todas me emocionavam, cada vez que ouvia uma delas, o que fazia seguido. Quando queimou o HD do meu computador, perdi a coleção e me afastei do hábito. Estou pensando em reconstruir a primeira e retomar o segundo. Era algo saudável, não necessariamente religioso, mas sem dúvida emocionante. Me refiro a gravações de Ave Maria, de Johann Sebastian Bach e Charles Gounod. E também da outra Ave Maria, a de Franz Schubert, igualmente linda e, no meu entender, semelhante no que se refere à capacidade de elevação.

A Ave Maria é uma oração tradicional da Igreja Católica, tendo sido feita em louvor e saudação à Maria, mãe de Jesus. Originalmente, foi escrita em Latim, como eram todas as preces. Foi baseada no Evangelho de Lucas. A composição escrita por Gounod, em 1859, foi produzida usando como base a harmonia e a textura do Prelúdio nº 1 em Dó Maior do livro I de O Cravo Bem Temperado, que Bach havia composto cerca de 130 anos antes. Para tanto, Gounod teve o cuidado de adicionar um compasso, para que fosse suavizada a mudança rápida da harmonia do prelúdio. Interessante é que o nome original dado por ele a esse trabalho primoroso foi Meditação. Foi depois que acrescentou o texto da Ave Maria à melodia e dedicou o trabalho para sua namorada.

Apenas na fase derradeira de sua vida, Gounod passou a produzir outras músicas de cunho religioso. Antes, Ave Maria havia sido uma exceção. No final, chegou a compor o Hino do Vaticano, comprovando a mudança pela qual passou. Bach, por sua vez, era protestante e não católico. Ou seja, essa parceria seria improvável também no ponto de vista teológico, sem considerarmos as épocas distintas em que viveram, mas deu muito certo na prática.

A Ave Maria, de Schubert, também não tinha originalmente a letra da oração em Latim. Na verdade, fazia menção ao poema épico popular de Walter Scott, denominado A Dama do Lago, usando para tanto tradução alemã realizada por Adam Storck. A letra refere-se à canção chamada Hino à Virgem, que tem como refrão um “Ave Maria”. Daí vem a confusão de ainda hoje pessoas acreditarem que o autor havia pensado desde o início em criar tal melodia como um louvor à santa. A superposição da prece foi bem depois.

A versão de Bach e Gonoud foi gravada por nomes muito expressivos da música internacional. Como Luciano Pavarotti, José Carreras, Andrea Bocelli, Maria Callas e Karen Carpenter, mas não apenas estes. E também existem arranjos instrumentais os mais diversos, incluindo feitos para violão, violoncelo, violino, piano solo, trombones e até um improvável, para cavaquinho, do compositor brasileiro Waldir Azevedo. A versão de Schubert foi interpretada por Joan Baez, Barbra Streisand, Aaron Neville e Stevie Wonder, entre tantos outros. Ouvir uma, outra ou ambas sempre foi – ao menos para mim – permitir que momentos mais leves preenchessem dias muitas vezes duros. Abrir ouvidos e coração para essas interpretações traz, ao mesmo tempo, sensações de paz e de êxtase.

26.01.2021

Na ilustração, a Pietá, de Michelangelo. Essa é a mais conhecida das esculturas deste gênio das artes. Representa Jesus morto nos braços de Maria. Está na Basílica de São Pedro, protegida por um vidro à prova de balas desde 1972, quando sofreu ataque de um vândalo. Feita em mármore, tem 174 por 195 centímetros. A obra é de 1499, quando seu autor tinha apenas 23 anos.

No bônus musical de hoje, Stjepan Hauser, um violoncelista croata, apresentando Ave Maria, de Franz Schubert, em concerto solo com o acompanhamento do Coro Zvjezdice. Gravado em outubro de 2017, no Lisinski Concert Hall, com a Zagreb Philharmonic Orchestra.

3 Comentários

  1. Um encontro de sensibilização. Tua crônica foi um mergulho num oásis. Conhecia a música, é claro, mas nunca prestei atenção como depois de ler tua história. Obrigada.

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