Existem favelas de norte a sul do Brasil e não apenas em nosso país. Qualquer pessoa minimamente informada sabe que aqui esse nome se refere a local onde habitam, na maioria das vezes de modo precário, grandes populações formadas por pessoas de baixa renda. Mas é bem provável que a maioria desconheça tanto a origem da denominação quanto o momento em que começaram a ser formadas, em se tratando da realidade brasileira.

A primeira das duas questões – o nome – tem pelo menos duas explicações diferentes. Uma afirma que a expressão vem do latim favu, que seria o conjunto de alvéolos de uma colmeia de abelhas. Mas isso é menos provável, porque no início as construções tinham muito mais espaço entre elas, não sendo o aglomerado que depois se tornaram devido ao crescimento desordenado. A outra explicação atribui o fato ao primeiro contingente numeroso que ocupou uma área do Rio de Janeiro. Ele era formado pelos combatentes que voltaram da Campanha de Canudos, na Bahia, depois de terem perpetrado o massacre dos seguidores de Antônio Conselheiro. O governo havia prometido para todos, na volta, um lugar digno para morar. Como não cumpriu a promessa, estes ocuparam o Morro da Providência, onde já haviam alguns poucos moradores. Nas batalhas em território baiano eles acampavam e partiam de um ponto repleto de favelas – que também é a denominação de um tipo de vegetação, no Nordeste, um arbusto dotado de espinhos e chamado ainda de aveleiro ou mandioca-brava. Assim, quando desciam do morro carioca, eram identificados como “aqueles que vieram das favelas”. O que generalizou para os demais morros que passaram a ser ocupados, com o passar dos anos.

Países de língua hispânica, na América Latina, chamam esses locais de chabola, que significa algo como “bairro de lata”. Na Itália o termo é baraccopoli. Na África do Sul denominam de township. Seja onde for e que nome recebam, são sempre guetos com residências feitas de materiais reciclados, sem infraestrutura adequada de calçamento, água e esgoto, muitas vezes com energia elétrica desviada ilegalmente, com transporte deficiente. Os poderes públicos estão em geral a reboque, tentando sem muita vontade e dedicação atender as necessidades básicas destas pessoas, em geral quando sofrem pressão política para tanto. Por essa razão, a ausência ou omissão do Estado, esses terminaram historicamente sendo pontos dominados ou pelo tráfico de drogas ou pelas milícias. Entretanto é inegável que a maioria dos moradores é composta pela classe trabalhadora, que não está no local porque quer e sim porque foi a única alternativa que lhes restou.

As favelas também são decorrentes de fenômenos diferentes, mas associados: a migração das populações rurais para os núcleos urbanos e a especulação imobiliária, que vai expulsando sempre e cada vez para mais longe – ou para locais de difícil acesso, mesmo quando estão próximos – aqueles que menos recursos têm. Entre 1940 e 1980 a população nas cidades brasileiras subiu de 31% para 67% do total. Os imóveis se valorizaram e, devido ao custo elevado dos aluguéis, os antigos ocupantes das áreas foram se afastando para a periferia. Com isso a concentração dos recursos ficou disponível para quem tinha mais; e a escassez reservada para quem mais precisaria de cuidados. Foram ainda fatores da sua formação a industrialização do país e a queda nos índices de mortalidade infantil.

A solução para os problemas sociais enfrentados por essas populações teria que passar por uma profunda reformulação nas políticas de urbanização. O que, evidente, sempre esbarra no comprometimento das “autoridades” com a manutenção do status quo vigente e, ainda, na velha desculpa dos recursos insuficientes. Enquanto não se rediscute as cidades, as próprias favelas se organizam, em geral à margem da administração pública. Hoje boa parte delas possui rádios comunitárias, criou espaços para valorização da arte, incentiva grupos de economia solidária para ampliação da renda, se expressa com música, se articula para eleger representantes. E os habitantes inclusive já trataram de fugir do estigma que o termo favela trouxe associado, preferindo se autodenominar “comunidades”. A regularização fundiária, investimento em educação, saneamento e coleta de lixo, programas de geração de emprego para jovens, além abertura de espaços públicos para lazer são buscados na imensa maioria delas. Com criatividade e resiliência exemplares, ainda assim essas pessoas precisam do apoio do Estado e do restante da população para alcançar seus objetivos.

15.08.2020

No bônus, o sambista Bezerra da Silva canta Eu Sou Favela, uma das faixas do seu álbum Presidente Caô, de 1992.

6 Comentários

  1. Mais um assunto importante e escrito com leveza , nos trazendo muito conhecimento. Fico sempre ansiosa pelo próximo Sólon. Parabéns.

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  2. Muito oportuno o tema sobre a favela, marca indelével da precária vida do povo nas grandes cidades brasileiras.

    Stefan Zweig, jornalista austríaco e romancista que viveu no Brasil no século passado, escreveu sobre a favela, dizendo tratar-se de possíveis dormitórios (supondo que essas pessoas tivessem outra casa, distante do lugar em que trabalhavam).
    O tema sugere a leitura do livro “Becos da Memória”, da mineira Conceição Evaristo. E ainda temos Adoniran Barbosa, com a música “Despejo na favela”. Um abraço!

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  3. Muito interessante, mais um tema importante sendo abordado pelo mestre Solon. Infelizmente criou-se uma cultura de que favela é sinônimo de bandidagem. Lamentável esse preconceito, com tantos seres humanos de bem, que lutam para sobreviver com muita dificuldade nestes lugares “menos favorecidos”. E aí fechou o texto com um belo bônus, destacando o vídeo de Bezerra da Silva. Muito bom! Parabéns amigo! Grande abraço!

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